SANEAMENTO BÁSICO – A TRANSIÇÃO DO PENSAMENTO INDUSTRIAL À ERA DOS DIREITOS HUMANOS.
Trabalho numa empresa de saneamento e enfrento cenários de exceção, atendendo a comunidades isoladas, novas ocupações e clientes especiais.
Relato aqui meu pensamento sobre o setor de saneamento nacional.
Saliento que as empresas estão presas a um modelo que conta com legislação e demandas as quais criam amarras na solução de situações de exceção. Essas amarras entram em choque com o cenário presente e futuro.
Relaciono aqui alguns pontos para reflexão.
Relato aqui meu pensamento sobre o setor de saneamento nacional.
Saliento que as empresas estão presas a um modelo que conta com legislação e demandas as quais criam amarras na solução de situações de exceção. Essas amarras entram em choque com o cenário presente e futuro.
Relaciono aqui alguns pontos para reflexão.
1.
Cartesianismo:
pensamento industrial
A era industrial nos trouxe – e
nos traz – muitos avanços. A produção em escala tornou possível o acesso a bens
e serviços antes inatingíveis. A
produção em escala ganhou força e inundou o pensamento humano, contaminando as
ciências e influenciando o comportamento.
Entretanto, existem problemas com
essa forma de pensar. A indústria, para se viabilizar, procura atingir um
modelo padrão médio que venha a atender à maior parte da população, o que
significa que parte dessa população não será contemplada. A base desse
pensamento atinge o ideário popular e cria padrões de comportamento, estipulando
modelos que são considerados ideais.
A moda surge como forma de criar
o desejo em consonância com os interesses industriais. Aqueles que não se
enquadram na moda, ou no modelo ideal definido, é excluído. Esses grupos
excluídos buscam espaço, mas, são alvos de pressão social.
No setor de saneamento, o
pensamento industrial permanece forte e se reflete nos seguintes itens:
- Construções de usinas de grande
porte para atendimento à maior parte da população. Requerem grandes
investimentos e financiamento. Atingem os centros urbanos, mas, deixam à margem
as comunidades isoladas.
- Submissão a legislações que
defendem a propriedade privada, em detrimento de obrigações sociais e
ambientais. O saneamento não é oferecido em comunidades onde o solo não pertence
ao poder público ou aos moradores. Regiões de ocupações, que deveriam ter sido
solucionadas pelo poder público, mas que se fixam por décadas, são
desconhecidas como alvo das ações de saneamento.
O resultado é a exclusão de
comunidades isoladas que não se enquadram nesse modelo e que, para
sobrevivência, recorrem ao consumo clandestino de água e descarte irresponsável
do esgoto doméstico, contaminando o meio ambiente e causando problemas de saúde
pública.
2.
Saúde
pública, meio ambiente e direitos humanos
A ONU – Organização das Nações Unidas, definiu
no ano de 2017 o saneamento básico como “direito humano” – o Brasil fez parte
dessa decisão, tendo assumido o compromisso da universalização do
saneamento. Esse novo cenário traz
desafios que colocam em cheque o modelo de saneamento praticado até o momento
presente.
Nessa nova visão, negar
saneamento básico equivale a violar um direito humano. No congresso da ASSEMAE
de 2017, ocorrido na cidade de Campinas/SP, foi colocada a questão do morador
de rua: ele também tem direito ao saneamento básico, uma vez tratar-se de
direito humano.
O saneamento não pode mais ser
visto como serviço atrelado à propriedade, mas, como serviço para atendimento à
saúde – assim sendo, não se trata de julgar o cidadão pelo local que ocupa,
sendo ocupação ou propriedade pública: a água é um direito humano.
Não quero aqui fazer apologia às
invasões, às construções em áreas de preservação ambiental. O quer fica cada
vez mais claro é que o saneamento não define a propriedade e não pode estar
condicionado a ela. O que ocorre hoje é que as empresas de saneamento não
atingem essas populações, mas, essas pessoas utilizam-se dos recursos de
saneamento de forma irregular e os efeitos são ainda piores, tanto para as
empresas, quanto para o meio ambiente.
Como resolver essas questões?
Certamente com uma visão
holística, que considere todo cidadão como consumidor em potencial, incluindo o
investimento em soluções para as minorias.
Alguns estudiosos afirmam que
estamos na era da informação, que os valores passam a ser holísticos e as
soluções personalizadas. As minorias estão ganhando voz e legislação de
proteção, a custa, obviamente, de muita luta no decorrer da nossa história.
Não se trata de deixar para traz
o modelo industrial, imaginando que estamos num novo cenário, pois, dependemos
muito desse modelo. Trata-se, entretanto, de dar um passo além, aperfeiçoando o
modelo de maneira que venha a atingir a todos, sem exceção, destruindo padrões
pré-concebidos e de interesse unilateral.
3.
Contas
que não fecham
O argumento que sustenta o modelo
tradicional fundamenta-se nos custos. Ocorre que esses custos não são
apropriadamente calculados. É fato que torna-se mais barato construir grandes
parques de usinas para atendimento a uma massa populacional significativa,
entretanto, o custo dos não atendidos não é devidamente levantado.
As minorias não atendidas pelas
empresas de saneamento apresentam maior potencial de uso do sistema único de
saúde, por tratarem-se, via-de-regra, de pessoas dependentes desses serviços e
pelo risco maior em contraírem doenças pela exposição aos riscos ambientais
decorrentes do não acesso ao saneamento básico.
Além disso, a contaminação do
solo acrescenta outro custo ambiental raramente calculado e que traz problemas
à saúde pública de forma generalizada.
As empresas de saneamento têm
perdas comerciais com o consumo irregular, mas, repassam essas perdas nas
tarifas, socializando um prejuízo para toda a população. Mas os gastos e
conseqüências para a saúde pública são negligenciados.
4.
Futuro
Existem novas tecnologias que
podem mudar radicalmente o modelo de saneamento básico em algumas décadas.
A água poderá ser tratada sem a
necessidade de que existam empresas nos moldes atuais. O esgoto também poderá
passar a ser tratado de forma individual, ou local, com maior eficácia, com o
aporte de novas tecnologias.
É muito possível que o futuro nos
traga soluções locais, contrariando o modelo centralizado atual e
desconstruindo toda uma cadeia que hoje existe.
5.
Qual o caminho a seguir?
Com a visão de futuro, assumindo
a responsabilidade pelo saneamento de maneira efetiva – atingindo a todos, sem
exceção – e com os custos avaliados de forma global, computando os custos
ambientais e de saúde pública, as empresas poderão migrar para uma nova era onde
os direitos humanos elementares de saneamento básico sejam atendidos.
Creio que o saneamento básico,
público ou privado, deve andar junto com políticas públicas de saúde. Seus
resultados devem ser levantados com os índices de saúde pública e, para tanto,
as empresas devem estabelecer parcerias com secretarias de saúde municipais,
além dos órgãos ambientais.
A legislação precisa caminhar na
mesma direção, entendendo o saneamento como direito humano e agindo no controle
de ocupações irregulares de forma independente, sem impor às empresas de
saneamento a responsabilidade pela fixação de populações em locais indesejados.
Afinal, os custos são arcados pelas empresas de saneamento e, por conseguinte,
por toda a sociedade.
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