O LIXO

 "Lixo é domínio público.... Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário.  É a nossa parte mais social". (Luis Fernando Veríssimo, O Melhor das Comédias da Vida Privada, "Lixo", página 90, editora Objetiva Ltda. Edição de 2004).


Esse parágrafo é bem interessante, nos trazendo muitas reflexões acerca das nossas semelhanças e nossos destinos. Sobretudo sobre aquilo que jogamos fora. 

É verdade que os lixos não são iguais: o lixo dos ricos é bem diferente daquele dos pobres, assim como são diferentes os lixos gerados por homens e por mulheres. Entretanto, os destinos são os mesmos. Mistura-se e torna-se uma só coisa, sem identificação, como diz o autor, passa a ser de domínio público.

E como não existe "fora", acabam indo para os mesmos lugares: lixões, cooperativas de reciclagem etc.

Há cerca de uns quinze dias atrás, fui a uma cooperativa de reciclagem com uma colega, em busca de um celular que foi jogado de forma involuntária no lixo. Rastreado o destino, conseguimos recuperá-lo.

Fomos recebidos por uma moça, muito bonita aliás, trabalhadora na cooperativa. Ela estava muito suja, da cabeça aos pés, por conta do manuseio do lixo descartado. Essa moça se suja com o lixo produzido por muitos, traz para si a responsabilidade de dar um destino correto, carregando o pior de tudo o que desprezamos e fazendo disso seu ganha pão.

O lixo perde a posse, mas, de forma temporária.

Nesse contexto, numa economia capitalista, o tempo em que se apresenta como "comunitário" é pequeno. Retornará a ser privado, em formas diferentes.

O lixo, de fato, é somente uma tentativa breve de estar no domínio público, justamente por não ser desejado até o limite em que retome à cadeia produtiva.

Talvez, o conceito de domínio público seja apenas uma abstração efêmera e volátil.








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