Momentos Mágicos - 09 de Novembro de 2018

"...nossa época está obcecada pelo desejo do esquecimento e é para saciar esse desejo que se entrega ao demônio da velocidade; acelera o passo porque quer nos fazer compreender que não deseja mais ser lembrada; que está cansada de si mesma; enjoada de si mesma; que quer soprar a pequena chama trêmula da memória.” KUNDERA*


Hoje, um colega de trabalho sentou-se ao meu lado, num pequeno intervalo de tempo em sua agenda, conseguido por acaso, por conta de ter de esperar por algumas pessoas.

Trouxe a mim a questão do tempo, da velocidade. Contou-me que não encontra tempo para o trabalho voluntário, que antes praticava. Ele tem suas razões, a mais importante é que a esposa encontra-se em recuperação, após uma intervenção cirúrgica que a deixou na cama, onde ainda se encontra há quase seis meses.

Assim, ele assume tarefas extras, para, como me disse, diminuir a carga que a esposa enfrenta neste momento. 

Mas a conversa evoluiu para a questão da velocidade. A semana passou muito rápida, o tempo é insuficiente. Ele pede aos colegas, os quais aguarda enquanto proferem uma pequena apresentação, que sejam breves, por conta de sua agenda apertada.

A conversa termina, ele se levanta e sai. Vai atrás dos compromissos assumidos.

Essa pressa vem aumentando, eu bem sei. Lembro-me da primeira vez que um computador pessoal chegou ao escritório da empresa onde trabalhava. Era um para cerca de 15 ou 20 colegas. Não havia a internet e o computador tinha dois drives: disketes enormes eram colocados: um no drive de cima, que servia para o software que podia ser de texto ou uma planilha, o outro, no drive inferior, para que se salvassem os arquivos.

Depois, começaram a evoluir: chegaram uns 5 computadores pessoais, para o mesmo grupo de 15 a 20 colegas. Nós nos revesávamos em horários para uso dos equipamentos.

Um certo dia, chegou um computador com acesso à internet: nesse dia eu me dei conta de que nunca mais poderia dizer a ninguém que não sabia sobre qualquer que fosse o assunto. O máximo que eu poderia pedir seria um tempo para que eu pudesse levantar as informações. Aumentava, assim, a responsabilidade de todos nós, com relação à informação, assim como, por consequência, aumentava também as exigências com relação ao nosso desempenho.

Essa exigência se reflete em tempo: as pessoas conseguem esperar um ou mais horas numa fila, mas, ao telefone essa espera diminui drasticamente e pela internet, a espera conta-se em segundos.

Kundera apresenta o tema da velocidade como forma de buscarmos o esquecimento, o esquecimento das frustrações, do passado indesejado, do sofrimento. Enquanto corro, não consigo pensar. Se paro, me desespero. Essa velocidade empurrou as pessoas do campo para as cidades, mudou as relações culturais. 

O próximo desafio é como respeitar a velocidade imposta com nossas limitações biológicas. Corremos o risco de correr e não se dar conta da vida que passa.

A velocidade é uma boa reflexão. No momento em que meu colega sentou-se ao meu lado, o momento mágico ocorreu. Ter-me escolhido para desabafar foi uma demonstração de carinho, de consideração. Para ele, foi um espaço no tempo em que pisou no freio e pode, assim, compartilhar comigo suas angústias.

Às vezes, é preciso diminuir a velocidade, sob pena de perdermos o sentido da vida.



Fonte: http://www.ageconsulting.com.br/v2015/index.php/noticias/item/644-lentidao-nas-mudancas-de-regras-reduz-interesse-pelo-simples-nacional








*Milan Kundera em "A Lentidão".

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