Momentos Mágicos – dia 28 de fevereiro de 2018
O Enxaimel é uma antiga técnica construtiva,
na qual uma estrutura de madeiras encaixadas tem seus vãos preenchidos com
tijolos ou taipa. Conjunto de estacas e caibros que sustenta as divisões
da estrutura da casa, podendo ou não ficar aparente na fachada. A origem
desta técnica é ainda muito discutida, chegam a afirmar da Itália, outros da
Turquia e há milhares de anos. Também pelo fato de existir em várias regiões da
Europa (até na Inglaterra) afirmam que não é possível determinar sua exata
origem[1].
Em Joinville existem construções antigas
em “Enxaimel”.
As casas são construídas de tal
forma, que podem ser desmontadas e transportadas – em alguns casos, os tijolos
são numerados.
É interessante pensar que colonos
primitivos conseguiam erguer essas casas sem a necessidade de financiamentos ou
qualquer “ajuda” do sistema bancário.
No Museu de Imigração de Joinville,
existe uma dessas casas típicas que foi transportada para lá. Nela pode-se
perceber que o estilo de vida permitia certa independência, como a presença de
espaço para criação de animais (porcos, galinhas,…) e poço para captação de
água. Isso sem contar com o espaço utilizado no terreno para horta e pomar.
Cada vez menos exemplares desse
tipo de construção podem ser encontrados, típica dos primeiros imigrantes. A maior parte delas foi derrubada para a construção
de casas com tecnologia moderna. As que restam existem por imposição de leis
preservacionistas, como o tombamento, pela interpretação de serem parte
importante do patrimônio histórico nacional.
Outras mudanças advieram dessa
renovação cultural, como a cada vez mais difícil aquisição da casa própria para
grande parte da população e a dependência de empréstimos bancários com
prestações que chegam a 30 ou mais anos para quitação.
As casas atuais não podem ser
transportadas e dependem de contratação de serviços e profissionais
especializados, o que as tornaram mais caras. Não existe mais espaço para a
criação de animais, hortas ou pomares e as famílias dependem hoje de renda,
através do trabalho externo, para garantia de sobrevivência.
Encontrei uma dessas casas em meu
caminho de hoje, em processo de desmonte. Apesar de estar em um lote rural, de
grandes proporções, o que permitiria ao dono mantê-la e construir nova casa sem
comprometimento do espaço disponível, ela está parcialmente destruída e cederá
espaço, em breve, a uma nova construção, provavelmente em estilo contemporâneo.
Enquanto alguns tentam manter essas
construções em pé, para registro vivo de uma história, outros buscam na renovação
uma cidade moderna.
Existe uma grande discussão sobre
os tombamentos. Existem aqueles que acreditam que as construções, assim como as
pessoas, precisam morrer para que novas venham a surgir com características que
sejam coerentes com o momento atual. Os preservacionistas, por outro lado,
lutam para que não se perca a memória.
Manter o passado pode resultar numa
tentativa de frear o tempo, congelar um corpo que já morreu? É possível reviver o passado pela existência
de uma construção antiga?
Eu prefiro pensar num equilíbrio,
onde o passado seja lembrado dentro de um contexto em que a cidade morra e
renasça em seu ciclo natural, ou seja, manter alguns espaços preservados, mas,
liberando o processo normal de evolução para todo o resto da cidade. Afinal, o
contemporâneo de hoje será, num futuro distante, o antigo a ser preservado e
terá, dessa forma, seu reconhecimento como marco de uma fase histórica.
Outra hipótese interessante é a
maneira como os orientais entendem a preservação: ao invés de conservarem seus
prédios, preservam o conhecimento de como reconstruí-los. Para eles, a
preservação é imaterial.
Essa casa em decomposição me fez
pensar no processo de envelhecimento, morte e renascimento que nos atinge
também, enquanto seres mortais. Desejamos deixar um legado, que nos possibilite
experimentar uma imortalidade viável, mas, ao mesmo tempo, não podemos nos opor
à decomposição de nossos corpos e pertences materiais.
Assim como essa casa, sinto o
processo em minha pele: a cada dia que passa, um pouco de meu corpo envelhece.
Luto por criar o meu legado, minha parte imaterial, patrimônio que deixarei um
dia para a humanidade.
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