Momentos Mágicos – dia 4 de fevereiro de 2018

“O passado se afasta do viajante...” (VERGHESE, p.58)[1]

Ausências,

Um certo dia, meu pai, já idoso, decidiu que queria visitar a cidade de Pontal, no interior do estado de São Paulo. Foi nessa cidade que moravam suas melhores lembranças da infância.

Foi realizada essa sua vontade.
A viagem foi uma decepção, pois, ele não encontrou lá as pessoas que com ele compunham suas lembranças. Muitos já haviam morrido, assim como os lugares, as casas, os caminhos.

Eu também vivi, certa ocasião, situação semelhante, quando pude voltar a uma cidade onde, quando criança, fiquei impressionado com uma fonte luminosa no centro da praça central, que era enorme aos meus olhos naquela época. Além de grande, ela emitia músicas românticas e luzes coloridas criavam evoluções com os jatos de água que subiam.
No meu retorno, já adulto, encontrei a praça, mas, como pude notar, não era grande como imaginara.

Minha memória, assim como a do meu pai, nos levou a uma viagem impossível.
Voltar ao tempo é algo que desejamos, mas, não conseguimos realizar, muito embora possamos fantasiar essa façanha, quase sempre decepcionante.

Hoje eu passei por um terreno onde há algum tempo, uns dois anos atrás, havia uma casa.
Nessa casa havia um senhor, idoso, que eu muitas vezes encontrei na varanda, sentado em uma cadeira, olhando para o movimento na rua.

Caminho diário, eu comecei a cumprimentá-lo: bom dia!  boa tarde!
Ele correspondia. Certo dia eu disse à minha esposa que tomaria coragem em algum momento, quando tivesse tempo para parar no meu caminho sem o risco de perder meus compromissos, e conversaria com aquele senhor. Desejava conhecer a sua história, ser talvez um companheiro em sua solitária rotina.

Como acontece com certa frequência em minha vida, assim como com a maioria das pessoas, certas promessas deixamos de cumprir, postergamos, arrumamos desculpas.
Certo dia eu percebi que a casa não mais existia: no lugar, apenas um terreno vazio.
Fiquei muito incomodado com aquela situação: teria esse idoso falecido?

Perguntei a um vizinho, que me disse que ele apenas havia se mudado – a família teria decidido levá-lo a outro local.
Passar diante desse lugar me incomoda ainda hoje. Deixei de conhecer uma pessoa que poderia me contar muitas histórias, que certamente poderia tornar-se um amigo, um conselheiro.

Ausências em meu caminho. Possibilidades que não se podem mais vivenciar.
O tempo carrega consigo momentos únicos que somente podem ser vividos uma vez.

Depois, ficam as lembranças, embaçadas, disformes, carregadas de enganos. Iludem-nos com suas tentadoras promessas, mas, depois nos mostram que o momento também depende de nossa perspectiva, nossa idade, nossa maneira de pensar, fatores que se vão e não mais podemos reuni-los.

No local daquela casa ficaram árvores que hoje estão carregadas de flores, um alento às minhas angústias e uma nova oportunidade de viver o momento presente: em algum momento, essas árvores poderão ser removidas e, ao invés de flores, poderá existir um edifício: sentirei saudades das flores.








[1] VERGHESE, Abraham, O 11º Mandamento, Editora Schwarcz Ltda, 2011.

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