O CHORO
As pessoas que me conhecem me
classificam como alguém sensível. De fato, sou de chorar com entardeceres e músicas
bonitas. Entretanto, este ano em
particular tem me trazido muitos choros.
Choro ao ver uma criança perder a
vida por razão de balas perdidas ou de ações policiais desastradas.
Choro a ver o negro americano ser
morto à vista de todos, somente porque, desempregado, teria dado um cheque sem
fundos.
Choro quando vejo ódio nos olhos
de políticos e de algumas pessoas as quais me parecem ter sido enfeitiçadas. Choro ao ver cientistas,
professores, médicos, artistas e tantos profissionais que nos trazem tantas
coisas boas e importantes serem desdenhados por alguns.
Choro ao saber que cientistas
morreram defendendo ideias postumamente comprovadas e atualmente desdenhadas
por pessoas que sequer compreendem a grandeza de suas descobertas.
Choro ao ver animais morrendo
envenenados pelo lixo humano, florestas sendo derrubadas sem piedade e a lógica
consequência das extinções que um dia baterão à porta de nossa raça humana.
Choro ao ver o racismo persistir,
as crenças que excluem ao invés de agregar, as ideologias que nos jogam uns
contra os outros numa luta em que não existem ganhadores, senão uma pequena
parcela da população que parece nunca se afetar com qualquer que seja o
cenário.
Choro ao ver pessoas morrendo em
filas de hospitais lotados, os idosos serem rotulados como “os mais fracos” e
parte da sociedade considerando suas mortes como aceitáveis.
Choro ao ver filhos agredindo os
pais, pais abandonando crianças e homens agredindo mulheres.
O choro me sai com facilidade,
não contenho e nem conseguiria, mesmo que o quisesse.
É como se eu fosse um apêndice do
mundo, que sentisse na carne todo o mal que tem sido praticado a pessoas que
nem mesmo conheço. Como se a vida fosse uma só coisa e cada um de nós apenas um
fragmento de memória. Como se cada agressão, ainda que
do outro lado do mundo, abrisse chagas em minha pele.
Mas meu choro não se dá somente
por desilusão.
Choro também pelos que se importam, pelos que vão às ruas e
cobram um mundo melhor.
Choro de emoção ao ver a
inocência das crianças e os olhares sábios dos idosos.
Choro por perceber, que o mal ainda
gera indignação em muitos e por perceber que a esperança ainda existe nos
corações das pessoas.
Meu choro então, talvez não seja
em vão.
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