A MORTE DA CIDADE: A PAISAGEM MUDA, MAS A DEFINIÇÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS PERMANECE

 


Diariamente, uma casa antiga é demolida no mundo.

Algumas delas apresentam um primor arquitetônico que corta o coração saber que se foram.

Hoje presenciei uma demolição: uma casa ao lado do local onde trabalho, uma construção bela, foi-se ao chão em menos de uma hora, transformando-se em um monte de entulho.

Existem questões subjetivas nesse ciclo que importam serem observadas.

Casas antigas de famílias pobres não causam comoção, por não apresentarem uma estética apreciada.

Casas que apresentam esse sentimento são, geralmente, aquelas que foram primorosamente desenhadas, que apresentam detalhes estéticos que marcam uma época e esmero na construção, ou seja, casas que pertenceram às famílias de classe social elevada.

Existe um processo histórico do momento da construção imponente, da vivência de uma família próspera e respeitada, da morte de seus protagonistas e de disputa pelo espólio por parte dos descendentes.

Essa casa ficou um período considerável desabitada e sem manutenção, possivelmente por razões de inventário ou disputa familiar.

Nesse período deteriorou-se, sendo ocupada por moradores de rua.

O único momento em que pessoas em situação de rua puderam morar num espaço enobrecido, ainda que a eles coubesse o desconforto do abandono e da deterioração do imóvel.

Mas um espaço nobre, ainda que abandonado, não pertence aos moradores de rua. Vizinhos assistiram à demolição sorridentes, pois a presença de pessoas descontextualizadas naquele espaço era indesejada. A eles se atribuíam pequenos delitos e uma ameaça ao sossego do lugar.

Esses mesmos moradores pediam marmitas em um restaurante próximo. A proprietária fez um acordo: atender a todos com marmitas desde que após o horário em que se servem as refeições aos clientes. Eles aceitaram e, em troca, varrem a calçada e cuidam da segurança do local.

Uma negociação para a convivência.

Cada um no seu espaço e, por isso, a casa foi demolida com aprovação dos vizinhos.

Moradores de rua voltam para a rua, único lugar que a cidade escolheu como legítimo para eles.

Certamente, da família que ocupou a casa ficaram lembranças, fotos em paredes dos parentes mais idosos e nos endereços virtuais dos mais novos.

Um dia essas lembranças também serão consumidas.

No lugar poderá surgir um novo prédio, um estacionamento talvez. A paisagem da cidade muda. Uma cidade vai morrendo e outra ocupa seu lugar.

 

 

 

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