MATRIX E AS "CARTILHAS DE CONDUTA"
Você precisa entender, a maioria destas pessoas não está
preparada para despertar. E muitas delas estão tão inertes, tão
desesperadamente dependentes do sistema, que irão lutar para protegê-lo.
Matrix (1999)
Certa ocasião, perguntei à minha
orientadora (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade – Univille), qual a
razão da alienação de grande parte da população.
A resposta dela me surpreendeu: “quem
disse que são alienados?”
Aquela resposta curta me fez
parar. Revi conceitos que tinha a partir dali.
Se não existe alienação, existe
opção.
Então, a própria alienação é uma
opção.
Isso faz sentido.
Eu me deixo seguir pelo rebanho
para obter aceitação, para não me expor e não ser posto de lado.
Comecei a perceber que, quando
iniciamos uma atividade, rapidamente encontramos pares e conhecemos regras de
conduta e, obviamente, de consumo.
Gosto de andar de bicicleta. Me traz
uma sensação de liberdade, agilidade, independência.
Entretanto, andar em grupo requer
seguir uma cartilha. As roupas são definidas, o tipo de bicicleta também. Os acessórios
são definidos. A cartilha exige investimento em produtos caros. Se eu seguir o
grupo sem pensar nessa cartilha, serei o estranho, a não-referência.
Nas ruas, é fácil perceber o
trabalhador pobre que usa da bicicleta para trabalhar daquele que usa esse meio
de locomoção como forma de manter a saúde ou por prazer.
Isso se aplica a muitas situações,
sendo o caso da bicicleta apenas um exemplo.
Hoje, a polarização política traz
cartilhas comportamentais que são rigidamente seguidas por seus seguidores.
Se você é “de direita”, deve
mostrar músculos, ter uma atitude altiva e estar pronto para zombar de qualquer
explicação racional.
Se você é “de esquerda”, deve ser
despojado, mostrar-se esclarecido sobre história e ciências.
As cartilhas das igrejas também
são cada vez mais rígidas: algumas definem as vestimentas, sobretudo das
mulheres, posto que muitas são machistas. Também definem uma forma própria de
se manifestar verbalmente, com palavras próprias e baseadas em livros antigos
tidos como sagrados. Assim, se ocorre um acidente onde muitos morrem ou se
ferem, aqueles que saem ilesos foram agraciados com um “livramento” - a pergunta
que não quer calar: e os outros?
Trabalho há muitos anos em
empresas prestadoras de serviços essenciais. Parte da minha experiência
profissional – a maior parte dela – se deu em empresa distribuidora de energia
elétrica. Hoje atuo em empresa de saneamento básico. Percebo que as pessoas, em
sua maior parte, não conhecem os processos de produção, distribuição, manutenção
e cobrança desses serviços.
Apesar de essenciais, não
atribuem valor, muitos crendo que deveriam ter valores menores e até mesmo
fornecidos gratuitamente para a população mais pobre.
Entretanto, valorizam serviços
acessórios, como roupas, veículos, acesso à serviços de internet, sem
questionar seus preços.
Toda a questão envolve
desconhecimento dos processos em um mundo cada vez mais tecnológico e
julgamentos primitivos fundamentados em cartilhas de conduta ditados por
segmentos escolhidos ou impostos.
A Caverna de Platão, hoje ressignificada
como “Matrix”, sempre existiu e a questão maior é que ela se mantém por opção,
por escolha.
A realidade não se dobra aos
objetivos egoístas da humanidade e pode parecer ameaçadora, desestabilizadora e
cruel.
Então, se um avião cai, é melhor
perceber se existe um sobrevivente e agradecer ao seu deus pelo “livramento”, do
que olhar para todos os outros que morreram, sejam adultos, crianças ou pessoas
que mereceriam maior reconhecimento de valor.
É melhor se endividar para manter
um padrão de consumo ditado por uma cartilha para pertencer a algum grupo, seja
de ciclismo, fitness ou religioso, do que se sentir excluído.
Num momento histórico em que a
ciência se depara com questões cada vez mais complexas e descobertas disruptivas,
um mundo desconhecido se apresenta cada vez mais ameaçador e desprovido de
sentido, o que traz ao homem o medo e a insegurança, tornando insuportável para
muitos o reconhecimento de nossa ignorância e fragilidade.
É melhor acreditar em fantasias,
mitos, lendas, deuses.
Seguir cartilhas parece ser o
destino humano e, me parece ter sido a razão de nossa evolução, uma vez que a
sociabilização foi o diferencial da espécie humana sobre as demais espécies animais.
Mas, penso ser também o caminho das desigualdades sociais e, em última análise,
da nossa extinção.
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