MOVIMENTO E LEVEZA

 

Movimento

Tudo no universo se move. A Terra move em torno de seu eixo, se move em torno do Sol. O Sol se move na galáxia, que, por sua vez, se move no universo. A velocidade desses movimentos é assustadora e, só não a percebemos, por razão da gravidade.

Nosso corpo muda constantemente, células morrem e novas nascem diariamente. Crescemos, ficamos adultos, envelhecemos.

Além das mudanças naturais no meio ambiente, existem as mudanças provocadas pelas civilizações. Os lugares mudam com o tempo. O campo se transforma em cidades.

A tecnologia avança e, a cada passo adiante, aumenta a velocidade das descobertas.

Isso nos traz novas descobertas e, no campo científico, desconcertantes.

Nossas crenças são constantemente abaladas por novas descobertas no campo da astronomia, por exemplo. A Terra não é plana, nem é o centro do sistema solar, cuja estrela – o sol – não é a única na galáxia que, por sua vez, não é a única no universo, esse último talvez apenas mais um em um multiverso.

O tempo, apesar de nossas crenças, não é linear: passado, presente e futuro caminham juntos no universo.

Não cabem nesses novos contextos, as religiões e nem as ideologias políticas, que estão séculos atrasadas em relação à tecnologia atual.  Não acompanham essa evolução, se estagnaram em modelos ultrapassados e que não se encaixam no mundo tecnológico.

Nos despedimos, aos poucos e tardiamente, dos pilares que acreditávamos sustentar nossas crenças e modelos culturais.

Os modelos econômicos e sociais que conhecemos foram criados no século passado. Apesar de tantas mudanças, convivemos com modelos que não estão mais funcionando e apresentam rupturas e ameaças.

Encontramos extremos como o capitalismo desenfreado e o comunismo, ambos idealizados sem considerar a finitude dos recursos naturais e, portanto, ambos com potencial de nos levar ao caos.

As cidades estão cada vez mais complexas e estamos chegando ao momento em que nenhum ser humano será capaz de administrar um volume tão grande de informações e tomar decisões acertadas.

Temos acesso a um volume de informações desproporcional à nossa capacidade de assimilação. Isso significa que não temos conhecimento. Informação sem conhecimento gera dependência. Não sabemos, os cidadãos em geral, como o mundo funciona, o que é e como se produz a energia, como se transforma a água dos rios em água potável, como esses recursos chegam às nossas residências. Não sabemos como funciona o veículo que utilizamos, o smartphone que levamos no bolso. Nossos recursos mais banais são de total desconhecimento e, em caso de falha, dependemos de especialistas.

 

Desestabilização

Isso nos tira da zona de conforto, nos desestabiliza e nos causa medo: pânico em alguns.

Não temos mais respostas cabíveis, mas as perguntas se multiplicam.

Creio que esse cenário seja a causa de tanto retrocesso por parte de muitos, que buscam num passado imaginado, aquela (falsa) segurança perdida.

Para muitos, é insuportável viver sem certezas e a resposta é duvidar de todo novo conhecimento, agarrando-se a pseudociência, às religiões e dogmas culturais.

Mas o universo – ou multiverso – não se curva aos nossos desejos. Ao contrário, comporta-se alheio à nossa ínfima existência.

Penso que estamos deslocados no tempo, com um conhecimento tecnológico avançado convivendo com mitos, lendas e crenças ancestrais.

Esse descompasso gera o desconhecimento das coisas mais simples. Desconhecemos o funcionamento de quase tudo que utilizamos, desde a eletricidade e como a água chega às nossas torneiras até os complexos smartphones que não largamos mais desde que pudemos obtê-los.

Nossa forma de pensar e agir não mais se justificam diante do atual status da ciência.

As mudanças necessárias se darão, com o tempo, mas não sem a existência de crises e guerras.

Afinal, mudanças ameaçam também aqueles que detém riquezas e poder dentro de um modelo em curso. Ameaçam, sobretudo, as pessoas que se dedicam a atividades que agora se mostram inócuas e sem sentido: é difícil – às vezes insuportável – admitir que suas crenças não estão corretas.

Com muita informação, surge a manipulação de grupos interessados em tomar ou a se manterem no poder, na manipulação, distorção e mesmo de invenção de pseudo fatos.

A ciência, a melhor fonte de informações, não traz respostas para tudo e, num mundo em rápida evolução, tem a humildade de reconhecer erros e corrigir postulados em função de novos fatos.

No passado recente, a religião ditava verdades imutáveis e os modelos ideológicos traziam seus dogmas, moldando o comportamento humano e dando uma falsa segurança.

A ciência, no entanto, tem destruído os pilares desses modelos, com novas descobertas desconcertantes: o tempo linear não existe. Passado, presente e futuro coexistem no universo. Talvez nosso universo seja um em um multiverso onde novas dimensões ocorrem. Somos um “pálido ponto azul”[1] em meio ao sistema solar, num canto de um braço da Via Lactea, em meio a um incontável número de galáxias.

Se não podemos nos confortar com “verdades permanentes”, se a ciência não nos traz novas descobertas desconcertantes a todo momento, se as religiões não mais explicam fatos novos, em que podemos nos firmar?

Existe vida após a morte? Existe um céu e um inferno? Existe um Deus? Se nada disso existe, somos resultado de uma evolução natural e aleatória que ocorre infinitamente no universo ao longo de milhões de anos?  Seríamos, como pensam alguns cientistas, pixels em um programa de realidade virtual, criado por uma civilização avançada?

Essa realidade nos desconforta, nos desestabiliza, nos leva a questionar nossa importância em meio a essa imensidão impensável que é o universo.

Nesse novo cenário, a Inteligência Artificial correrá à frente e nos ultrapassará, tornando o trabalho humano cada vez mais desnecessário.

O medo, então, nos toma de assalto.

Alguns passam a negar a realidade, agarrando-se aos modelos passados. A negação é o primeiro movimento humano, quando diante do perigo ou da fatalidade.

Assim, é comum dizer que “no passado” o mundo era melhor. Os fatos, entretanto, demonstram que vivemos mais e com mais conforto do que nossos antepassados. Ainda que existam ainda problemas sociais sérios, olhar para o passado não justifica pensar em momentos melhores na história humana.

O perigo de buscar fixar-se num passado imaginado

Ao buscar apoio num passado imaginado, deixamos de considerar os fatos recentes e nos tornamos reféns de informações não suportadas pela ciência. Momentos recentes demonstram, como por exemplo, o questionamento das vacinas para a pandemia do COVID 19, que resulta em parcela importante da população que não se vacinou e, por essa razão, tornam-se mais vulneráveis à doença além de manter o vírus em mutação constante, comprometendo a saúde de toda a população mundial.

Apegar-se a dogmas passados, religiões e ideologias, pode levar a humanidade ao caos e comprometer até mesmo a continuidade da vida humana no planeta.

Até bem pouco tempo, confiar na tecnologia significava aceitar regras como parar num semáforo quando a luz estivesse vermelha, confiando que, caso se desobedecesse, um acidente poderia ocorrer.

Hoje, precisamos confiar na tecnologia para situações cada vez mais críticas, mas, muitas vezes sem termos conhecimento sobre as razões – mas os efeitos podem ser potencialmente maiores. Um exemplo simples: a exposição aos raios solares sem o uso de protetores, expondo-se à possibilidade de desenvolvimento de câncer de pele, ou não atentar para a medicina preventiva e arcando com problemas prematuros de saúde e longevidade.

Leveza 

A mudança, assim como o movimento, é a regra do universo.

Tentar parar o tempo ou barrar as mudanças equivale a tentar parar um trem acelerado com as mãos: seremos esmagados e não conseguiremos alterar o seu curso.

Vale mais à pena entrar nesse trem e viajar, aproveitando a viagem e descobrindo novas paisagens.

Creio que, na velocidade, devemos nos tornar leves, prontos e abertos para o conhecimento e suas atualizações, humildes e cientes de nossa ignorância, sem medo.

Torna-se necessário livrar-nos das amarras dos preconceitos e nos deixar levar pelo vento da evolução.

A tecnologia nos será cada vez mais vital e seremos levados pela sua maior capacidade em nos proteger e nos guiar pelos caminhos mais seguros.

Isso é a leveza que nos trará paz. Nos sentiremos seguros quando percebermos que o conhecimento é fluído e, acima de tudo, mutante.

Imagine a liberdade em saber que o que se faz hoje, amanhã não será mais correto e  portanto, podemos errar porque estamos em constante mutação e o que mais importa é saber-se falível e volúvel, sem cobranças e sem culpas.

O nosso esforço passará a ser no sentido de aprender e reaprender sempre. Esse esforço eterno nos ocupará a mente e nos dará a liberdade de criar a todo momento.

Teremos que nos tornar hábeis e leves para não sermos descartados e esquecidos e pensar numa sociedade nova, igualmente leve, que consiga resolver os problemas sociais e ambientais, não mais dependente do trabalho como o conhecemos hoje.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Referência a Carl Sagan, cientista  que disse essa frase ao observar uma foto da Terra feita pela nave Voyager, no momento em que deixava o sistema solar rumo ao universo desconhecido.

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