A MORTE DAS CERTEZAS

Nasci num mundo que se esfacelou. 

Nasci em 1959, já haviam automóveis, aviões, eletricidade.

A minha juventude foi num momento histórico em que se esperava muito do futuro. 

A ciência traria as soluções para aumentar o tempo e a qualidade de vida, também nos possibilitaria a exploração espacial e eliminaria a pobreza.

Mas haviam guerras no mundo. A guerra dos EUA contra o Vietnam trouxe indignação e impulsionou o movimento hippie que trazia a paz e o amor como mote. 

Mas havia a guerra fria e a possibilidade de uma terceira guerra mundial. 

Ainda assim acreditávamos numa evolução que nos libertaria dessas tensões. 

Eu sinceramente acreditava num mundo melhor, que as pessoas evoluiriam e que a educação alcançaria a todos, trazendo resultados incalculáveis.

Haviam verdades balizadoras, leis físicas imutáveis.

Mas as coisas mudaram. Novas descobertas nos tiraram o chão. Descobrimos que as leis físicas que conhecíamos não são as mesmas que se observam nos níveis subatômicos. Também percebemos que o universo esconde mistérios que a cada dia nos intrigam mais e que debocham de nosso conhecimento científico.

Os cientistas tornaram-se humildes, pois, começaram a perceber que existem muitas perguntas a serem respondidas e em muitas dessas respostas, novas perguntas surgem numa busca que exige o constante retorno às pesquisas.

Apesar disso, as desigualdades sociais parecem não terem fim e a credibilidade nos governos despenca por razão de escândalos e incompetência.

A educação despenca em qualidade e passa a formar um exército de alunos que precisam se especializar em passar em testes e provas seletivas. A internet populariza o acesso à informação, mas, a sua utilização se dá como nova forma de se socializar. O conhecimento é raso, não existe a intenção de aprofundamento.

O volume de descobertas se acelera e traz um turbilhão de informações novas a todo momento. 

A ciência, por sua vez, corrobora para que nos sintamos inquietos. O tempo, algo nunca questionado, agora é relativo e uma ilusão humana. Ao olharmos para o céu, o que vemos é uma imagem do passado.

O sol não é mais o centro do sistema solar, mas, alguma forma de matéria ainda estudada ocupou o seu lugar. A gravidade é propagada em ondas e é resultado da curvatura que um corpo celeste causa no espaço-tempo.

No nível subatômico, dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, partículas somem e reaparecem e podem se comunicar à distância entre seus pares, ainda que se encontrem a uma distância incalculável umas das outras.

Nosso cérebro processa informações através desse princípio, ou seja, sem a necessidade de um meio para transmissão de informações.

Não temos mais certezas. 

A internet traz a falsa sensação de liberdade e abre as portas para manifestações de todos os tipos, além de novas formas de crimes e de exposição. A superexposição pode trazer momentos de sucesso e também são capazes de destruir socialmente aqueles que forem alvo de perseguições.

Mas, nem nos meus piores pesadelos, eu poderia imaginar um ano de 2020 escancarando o racismo, o preconceito, o descaso à ciência e a devoção cega a ídolos pop com baixa qualidade.

Jamais imaginaria que alguns desejassem o retorno a regimes de governo totalitaristas, que questionassem conhecimentos científicos básicos, como a redondeza da Terra ou a ida do homem à Lua.

Talvez estejamos vivendo uma embriagues evolutiva, na qual ficamos diante de tantas descobertas que nos assustamos e buscamos num passado imaginado, os pilares irreais para sustentar nossa sanidade.

O preconceito e a busca ao passado pode ser o último grito daqueles que se sentem desesperados e despreparados para enfrentar novas verdades, novas formas de vida e de relações, que ocorrerão de qualquer maneira, pois, a cada descoberta, um conceito cai, e com ele um pilar de sustentação de crenças confortadoras.

Permeando esse contexto, o conhecimento que temos é apenas parcialmente utilizado e nunca em favor de uma sociedade mais justa e equânime. 

Temos tecnologias para viver num mundo mais evoluído, mas, vivemos sempre passos atrás, pois, para que se estabeleçam mudanças, são necessários investimentos e estes só se darão na condição de manter as estruturas de poder existentes.

É neste momento que vejo que muito do que aprendi perdeu o sentido, que não tenho mais a capacidade, ainda que gênio viesse a ser, de assimilar todo conhecimento contemporâneo. Percebo que o conhecimento que obtenho hoje, será modificado em pouco tempo e, para que possa dizer que sei de algo, serei obrigado a me especializar e me atualizar permanentemente.

Sem certezas, sabendo-me tão diminuto diante do agora multiverso - em minha juventude era apenas o universo - não posso me apoiar em nada pois tudo é transitório.

O chão sumiu - meu espaço é móvel.


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