SANEAMENTO x COVID 19
“Em tempos de pandemia, o descaso de
décadas em investimentos aumentará as injustiças e desigualdades de um povo que
não tem esgoto tratado....” (ESTADÃO.com)*
A
questão do saneamento básico no Brasil, alvo das atenções por razão do
histórico descaso dos governos no atendimento à população, com o cenário atual
da pandemia mostra seu lado mais cruel: infectados pelo COVID 19 em regiões
mais pobres tem mais chances de morrer e os números começam a provar essa
triste realidade.
É
do conhecimento que o investimento em saneamento reduz consideravelmente a
necessidade de investimento em saúde. Alguns proclamam que essa razão seria de
um para quatro, ou seja, para cada um real investido em saneamento,
corresponderia a quatro reais investidos em saúde – existem controvérsias
acerca desse raciocínio, mas, é possível dizer que a razão de retorno positivo
é verdadeira.
É
também do conhecimento, que a questão do saneamento tem peso na avaliação do
desenvolvimento humano de uma nação, com implicações que atingem até mesmo a
sua capacidade financeira.
Os
custos com a existência de famílias sem acesso ao sistema de captação e
tratamento de esgoto tem múltiplas faces: a maior incidência de doenças
infantis, com correspondente prejuízo para sua escolarização, com
comprometimento da capacidade produtiva e com consequências negativas em todo
crescimento da nação.
É
de se pensar na responsabilidade penal de gestores públicos no descaso com a
saúde, com o saneamento.
Começa
pela quebra de paradigmas. O modelo atual é pensado para atender grandes
centros urbanos: as populações rurais ou periféricas, distantes dos grandes
centros, ficam sempre para trás. A lógica é do custo x benefício, dentro de uma
visão limitada e ultrapassada.
O
novo cenário contemporâneo nos atenta para a necessidade de pensar em custos de
uma maneira mais ampla. De que adianta deixar de investir nos projetos de longo
prazo e condenar os resultados no longo prazo?
Se
a construção de grandes obras não irá contemplar parte significativa da população,
pelo fato de sua distância e isolamento, pensar em obras alternativas e
pequenas não seria a saída? Para que possamos avançar no atendimento
precisaremos pensar “fora da caixinha”.
Novas
tecnologias para o tratamento do esgoto parecem não ter a devida atenção, mas,
deveriam.
Já
existem sistemas alternativos e compactos para atendimento a pequenas
comunidades, com construção rápida e barata. Ideias como a destinação do esgoto
doméstico em pontos de captação distribuídos em quadras, com transporte para
estações de tratamento por meio de caminhões, são formas a serem estudadas e
testadas.
As
universidades deveriam ser envolvidas e maiores recursos deveriam ser direcionados
ao desenvolvimento de novos modelos – com certeza, novas formas de solução com
custos menores compensariam o investimento em pesquisa e reduziriam o tempo para
universalização do tratamento do esgoto no país.
Também
podemos pensar em trabalhar com etapas, como, por exemplo, priorizar o
afastamento do esgoto doméstico do contato com a população, num primeiro momento.
Somente com essa etapa já seria possível sentir benefícios na saúde da
população. A segunda etapa seria composta de alternativas estudadas para cada
situação, para que esse esgoto afastado fosse destinado ao tratamento e
devolvido à natureza de forma adequada. Enquanto
a segunda etapa não se implanta, fossas filtro poderiam ser adotadas
temporariamente.
Mas,
e a pandemia?
Neste
momento, as empresas de saneamento encontram-se com níveis de inadimplência e
queda de receitas recordes e imprevistas.
É
de se argumentar que investimentos deveriam ser cortados, mas, levando em conta
a urgência e o grande impacto da falta de saneamento na letalidade do vírus COVID
19, o que impacta também no colapso do atendimento nos hospitais, um
investimento em saneamento seria um dos vetores para a melhoria da resistência
da população e consequente redução do investimento na rede hospitalar. Apesar
de não haver mais tempo hábil para reverter a situação trazendo resultados
nesta crise, a possibilidade de se preparar para uma futura pandemia já
justificaria essas ações. É bom lembrar que existem mais doenças em curso como
a dengue, a diarreia infantil etc.
A
análise de custo x benefício deve, portanto, extrapolar o olhar da empresa de
saneamento: o saneamento é parte importante no trato da saúde pública e, assim
sendo, não é de responsabilidade somente das empresas, e sim do governo. Pensar
no custo x benefício da forma atual, ou seja, olhando somente para a saúde
financeira das empresas de saneamento, traz grandes prejuízos para os governos,
uma vez que multiplica sua necessidade de investimento em saúde.
Portanto,
o custo x benefício do saneamento deve estar incorporado às questões de saúde
pública: se o governo investir em saneamento, direcionando recursos para as
empresas de saneamento, terá uma substancial economia nos recursos hoje
destinados à saúde pública, ou seja, existe custo x benefício positivo e substancial
nesse modelo.
Em
resumo, enfrentar o problema de saneamento no país requer:
-
Investimento em pesquisa e tecnologia;
-
Mudança de paradigmas:
- Pensar em soluções adequadas a todas as demandas,
respeitando suas particularidades;
- Admitir ações
intermediárias, que trarão ganhos para a saúde da população em menor tempo,
como o afastamento do esgoto em primeiro momento e o tratamento no momento
seguinte;
-
Modelagem de negócio com visão de longo prazo e dentro de uma política de
investimento na saúde pública como um todo.
Por
último, ressalto a possibilidade de participação do setor privado na solução do
problema, dentro de uma lógica de retorno em longo prazo de seu mercado
consumidor: pessoas com melhores condições de saúde reúnem melhores condições
de aumento de renda e, consequentemente, aumento no consumo, gerando uma
expansão no mercado com menores investimentos do poder público em saúde e
possibilidade de melhoria em outros setores.
O
momento para o saneamento é de grande importância, assim como o impacto nas decisões
que serão assumidas pelos governos e empresas.
Os
resultados desejados requerem coragem e novas formas de entendimento do setor,
além de ações que envolvam um número maior de agentes, como o poder público, o
setor privado, as empresas de saneamento e as universidades.
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