PORTAS QUE SE FECHAM, HISTÓRIAS QUE SE PERDEM




Aqui eu ensaio colocar o vazio que existe em mim. Por essa razão, me faltam as palavras, assim como o assunto. Tenho tempo, posso me dar ao luxo de não ser interrompido, tenho um computador e posso escrever. Mas, as palavras não saem.

Estou repleto de memórias, lembranças boas.
Lembrança de meus filhos ainda crianças, a casa cheia de vida, de vozes, correria e brincadeiras.
Houve um tempo em que meu horário de trabalho me concedia uma hora e meia de tempo para almoçar. Nesse tempo, eu corria pra casa para dançar com minhas filhas as músicas da Xuxa.
Nos domingos, alternávamos entre as casas dos avós, onde a família se reunia. Almoçávamos uma comida que só mães e sogras sabem fazer e espreguiçávamos nas cadeiras, desperdiçando conversas leves, enquanto as crianças corriam nos quintais.

Houve um tempo em que eu chegava em casa e tinham crianças me esperando, além de cães adoráveis. As crianças cresceram, saíram de casa. Os avós morreram, suas casas foram vendidas ou alugadas. Portas foram aos poucos se fechando.

Não existem cães nem crianças me esperando ao chegar. Não existem avós para visitar e nem casas grandes para encontrar as famílias.
Os almoços de domingo perderam o sabor.
Não tenho amigos, como na infância e na juventude, que possam sair comigo pelas ruas da cidade sem rumo, rindo comigo de qualquer bobagem e sonhando com um futuro imaginado.
Aos poucos, minha vida se transforma em memórias, lembranças, passado.
As histórias que vivi não despertam interesse de ninguém.

E olha que eu vivi muitas histórias interessantes, como quando, ainda jovem, participei em São Paulo de um passeio ciclístico saindo do Ibirapuera. Após o término do percurso, os ciclistas se dividiram em diversos grupos, cada um seguindo por um caminho distinto, mas, em meio a um desses grupos estava eu, com minha Caloi 10, seguindo um caminho qualquer, quando me vi na Avenida Faria Lima e chegando próximo ao Shopping Iguatemi – naquela época era o único na cidade, creio que também no país.
Eu era tímido, mas, naquele dia, em meio a tantos desconhecidos, eu decidi gritar: “vamos entrar”.  Acho que o grupo esperava apenas alguém tomar a iniciativa e, então, todos entraram no Shopping nas bicicletas, percorrendo os corredores internos e espantando os clientes.
Começaram a surgir seguranças e decidimos sair. Haviam duas rampas de acesso ao shopping e todos se dirigiram à mais próxima.
No tumulto, um ciclista se chocou comigo e a corrente da bicicleta caiu. Eu fiquei no alto da rampa e todos desceram, sendo recebidos por seguranças que desciam cassetetes nos ciclistas.
Eu coloquei a corrente e saí pela outra rampa, não sendo pego por nenhum segurança.

Uma história que eu vivi e que somente este espaço virtual me permite registrar.
Existem mais histórias obviamente, mas, não encontro pessoas interessadas em ouvi-las e, por se tratarem de tempos diferentes, talvez não consigam captar o contexto em que ocorreram, perdendo, assim, suas essências.

Mas encontrei neste blog uma oportunidade de registrar meus pensamentos e lembranças. Um espaço que existe, mas, ao mesmo tempo se esconde, como se fosse um livro numa biblioteca gigantesca que pode nunca chegar a ser lido.

A última porta aberta e que espero não se feche tão cedo.


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