47o Congresso Nacional de Saneamento da Assemae: um caminho para o Brasil - Junho de 2017 em Campinas SP

Participei desse Congresso representando o Núcleo de Atendimento Social - NAS, da Companhia Águas de Joinville, por conta de um projeto aceito para publicação na categoria "Poster", elaborado pela equipe formada por mim e pelas assistentes sociais Julia Rech Sincero e Alessandra Oechsler.

Relato aqui as minhas impressões sobre o evento e algumas observações sobre os temas apresentados que me chamaram maior atenção.

No dia 19 de junho, dia da abertura do Congresso, apresentei o projeto "Ligações de Água em Águas Irregulares: Possibilitando Águas às Comunidades em Vulnerabilidade Social", assinado por Alessandra Oechsler.
Esse trabalho foi resultado de experiências vividas pelo NAS na regularização de núcleos habitacionais antes sem acesso água regular. Dessas experiências surgiu um novo processo de atendimento, estruturado em quatro etapas principais, sendo elas: 

- Etapa 1: Visita Prévia ou Visita de Abordagem Inicial
- Etapa 2: Venda de Serviços
- Etapa 3: Ligação e Regularização
- Etapa 4: Retorno e Acompanhamento

Os resultados apresentados atestam para o sucesso desse modelo, que evolvem atores sociais como a prefeitura, a secretaria de habitação, voluntários, ONGs e a comunidade.

Figura 1 - Apresentação do Projeto em 19 de junho de 2017 por João Abeid Filho



Nesse dia, expunha o projeto "Cooperação Institucional entre o Voluntariado da SANASA Campinas e UNICAMP para desenvolvimento de Projetos Comunitários, Sociais e de Educação Ambiental: um exemplo de Boas Práticas" a Sra. Leniter Venância dos Anjos Sartorio, funcionária da SANASA. Além de assistir a apresentação, pude conversar com a autora. O projeto levou os voluntários da SANASA a projetos da UNICAMP, com vinculação a assuntos e locais de interesse mutuo. Na Cia. Águas de Joinville estamos vivenciando uma experiência em sentido contrário: estamos promovendo um modelo de voluntariado para atuação em projetos de interesse da empresa e chamando parceiros, entre eles as universidades.  

Nesse mesmo dia, assisti à Conferência Magna com Leo Heller, Relator Especial dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário das Nações Unidas, com o tema: "Saneamento básico como direito humano fundamental". 
Essa conferência foi, na mina opinião, o ponto alto de todo o evento. Leo Heller discorreu inicialmente sobre a evolução da legislação universal dos direitos humanos e os desdobramentos que levaram a colocar a água e o esgotamento sanitário no status de "direito humano fundamental". As implicações desse novo status foram exploradas no evento e impactam diretamente nas empresas de saneamento. Citou os "conteúdos normativos" que exigem dos governos:
- acessibilidade aos serviços
- disponibilidade
- qualidade e segurança
- aceitabilidade
- acessibilidade financeira

Nesse último item, a desconecção ao serviço, ou seja, o corte no fornecimento de água por razão de indisponibilidade financeira é considerado "violação de direito humano".
Citou também princípios a serem seguidos:
- participação
- direito a informação
- igualdade e não discriminação
- cumprimento progressivo dos direitos humanos

Heller colocou a questão desse direito humano em todas as suas dimensões. A certa altura perguntou: "das empresas aqui presentes, qual delas têm políticas para atendimento a moradores de rua?". Sendo direito humano, a negação de atendimento a esse tipo de população é igualmente uma violação.
Informou que, em sua missão, tem visitado diversas nações e conclui que "é possível conciliar necessidade econômica com proteção às populações mais pobres". Subsídios podem ser explorados de forma a garantir esse direito e conhece países com melhores fórmulas do que as conhecidas Tarifas Sociais. 

Heller reconhece experiência em Joinville: foi mencionado o município de Joinville como exemplo de atendimento flexível com respeito ao atendimento  famílias em vulnerabilidade. 

Após a apresentação de Heller, os demais participantes convidados à mesa tiveram a oportunidade de discursarem e, entre eles, o antigo colega meu de CPFL Vicente Andreu, hoje presidente da Agência Nacional de Água - ANA. Vicente discorreu sobre a intenção do governo federal em tornar a ANA uma agência reguladora e iniciar um novo modelo de gestão para o setor de saneamento nacional.

O tom político do evento.

Não foi a primeira vez que estive em Congresso da ASSEMAE e de outras instituições que atuam no setor de saneamento, como ABES, por exemplo. Esses eventos têm sido marcados pelo forte posicionamento político a favor da municipalização dos serviços de saneamento como melhor forma de gestão para o país. O modelo de gestão municipal permite, segundo os defensores, maior possibilidade de controle social da população sobre as empresas, poder de fiscalização e participação nas políticas públicas. Foi mencionado, por mais de um palestrante, que o país é continental com grande diversidade cultural. 
Foi citada a necessidade de melhoria na comunicação entre os atores sociais envolvidos com o setor de saneamento com a finalidade de construção conjunta de um política nacional que venha a garantir a saúde das futuras gerações. 
Foi questionado o modelo atual, onde não existe uma política nacional de fato, mas, apenas uma legislação e ações pontuais. "Política requer agenda, metas e meios (recursos)". "Existe um legado que se carrega de uma cultura de obras, mas, faltam ações para os demais desafios do setor.". "É preciso um modelo que considere o dinamismo da sociedade e seus interesses transitórios."
Foi apontado o problema de obras que são idealizadas sem um projeto que traga o compromisso da continuidade dos serviços. 

Palestrantes apresentaram as necessidades de:
- um modelo de gestão
- que considere o usuário no centro desse modelo
- políticas tarifárias que sejam inclusivas
- controle de ineficiências e perdas

Heller ponderou que é temerária uma proposta de mudanças neste momento político nacional, de um governo transitório. Em sua visão, esse novo modelo deve ser resultado de uma grande consulta com a sociedade, considerando a necessidade de compatibilidade do novo modelo à garantia dos direitos humanos, à proteção às populações em vulnerabilidade, à participação e transparência. Esse posicionamento gerou críticas por parte de representantes do governo presentes que não aceitaram a transitoriedade desse governo - parte da platéia reagiu com vaias e gritos de "fora Temer".

No dia 21 de junho, assisti à apresentação "Saneamento na Terra de Ninguém, o Caso do Seringal Vila Nova na Reserva Extrativista Chico Mendes". Trabalho de pesquisa realizado em Belo Horizonte mostrou um cenário extremo, não novo em nossas experiências em campo, mas que levanta questões importantes para o diálogo nacional. No local, uma reserva extrativista em Belo Horizonte, os moradores não possuem posse do terreno onde residem, mas, apenas uma "concessão de uso". Os serviços de saneamento são precários. O município tem-se mostrado omisso com relação a essa comunidade. Não tem acesso a energia elétrica e nem sinal de telefonia. O transporte é feito a pé, as vezes em animais ou de barco. Não tem acesso à água tratada, alguns sem banheiro, sem vaso de descarga. Sem capacidade financeira de arcarem com os custos do saneamento, apesar da abundância de água na região. A defecação é a céu aberto, próximo às casas, com insegurança física (sobretudo para as mulheres), sanitária, sem privacidade e dignidade.
Os resíduos são enterrados, exceção aos orgânicos, que não são considerados como lixo. A área encontra-se em uma região permeada por seis municípios, o que traz a situação de não reconhecimento por nenhum desses municípios.
A população luta pela sobrevivência e o saneamento é considerado como questão secundária. 

O estudo mostra a questão da baixa capacidade de pagamento das famílias, mas, também, da falta de regulação do setor para esse tipo de realidade.

Num passado recente, foi doado um gerador de energia, que foi abandonado por falta de orientação e envolvimento da comunidade em sua apropriação: não foram ouvidos os saberes locais.

O trabalho realizado em comunidade na Bahia, denominada "Caípe", no município de São Francisco do Conde onde se percebe uma população com alto PIB por conta de extração de óleo pela Petrobras, e que não se utiliza de tratamento de esgoto sanitário. Apenas duas (das 140 famílias pesquisadas) utilizam tratamento primário séptico das fossas. O estudo aponta esse tipo de atendimento - fossas sépticas - como solução viável e atendendo as normas da ABNT.

O trabalho realizado e Fortaleza, denominado "Contribuições do trabalho social na utilização do sistema de esgotamento sanitário em bairros de fortaleza" apresenta etapas como:
- visitas porta a porta de conscientização, sensibilização e diagnóstico
- contatos institucionais, reuniões comunitárias 
- palestras educativas
- teatros de fantoches e bonecões
- elaboração de relatórios
- reuniões de planejamento, monitoramento e avaliação com envolvimento dos atores sociais
Os resultados apresentaram os seguintes resultados:
- das 4.708 famílias acompanhadas, 979 se interligaram a rede de esgoto sanitário (20,79%)
- as palestras não atingiram o objetivo de redução do consumo de água por parte das famílias
- ao contrário, em período de crise hídrica, o preço superior das tarifas de contingência tiveram resposta mais efetiva sobre a redução no consumo de água

Painel 3: ODS6 - Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. (22 de junho)
Esse Painel apresentou dados sobre o saneamento no Brasil e no mundo.
Um dado curioso: no mundo, a água representa 70% de sua constituição. Esse mesmo percentual se aplica ao corpo humano.
No mundo,  distribuição de serviços apresenta os seguintes números:
- 94% possuem acesso a energia elétrica
- 61% tem acesso à internet
- 53% tem acesso a tratamento de esgotamento sanitário
Incrível saber que mais pessoas têm acesso à internet do que ao esgotamento sanitário tratado.
No Brasil, 93,20% apresentam acesso à água tratada, mas, apenas 40% ao esgotamento sanitário tratado.
Rayne Ferretti Moraes, do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos - HABITAT, revelou que a população urbana no mundo hoje é de 50% do total mundial, mas, esse número aumentará para 70% em 2050, o que cria um cenário preocupante com relação ao saneamento.
Informou também que as cidades crescem de 4 a 5 vezes mais do que a população que nela vive.
Na América do Sul, percebe-se que quanto maior se torna a urbanização, maior a desigualdade social.

Uma frase em especial, me chamou a atenção, e diz respeito ao modelo cultural fundado na propriedade privada: "Quando o preço da terra é o vetor de crescimento, a cidade cresce em metástase, reforçando as desigualdades sociais".
A expositora defende uma cidade policêntrica, sem concentrações que geram maiores problemas nas soluções urbanas.

Foi demonstrada a diferença entre direito e caridade: os gestores públicos devem conhecer as diferentes implicações nessa diferenciação - direito é exigência.
Apresentou-se um cenário onde o saneamento apresenta um sentido de retrocesso, onde os indicadores são:
- rápida urbanização sem planejamento
- fragilidade nos arranjos legais e institucionais
- baixa prioridade por parte dos governos
- consciência inadequada sobre as oportunidades socioeconômicas inerentes
- falta de modelos de negócios viáveis

Luana Lopes, analista da ONU para o Desenvolvimento, relatou os objetivos da ODS:
- acabar com a pobreza
- lutar contra a desigualdades
- combater as mudanças climáticas

A agenda para 2030:
- universalidade do saneamento (que não pode ser confundida com uniformidade)
- integração social, ambiental e econômica
- não deixar ninguém para trás

Luana relatou que "a água é o núcleo do desenvolvimento sustentável".

Até 2050, metade da população mundial viverá em área de estresse hídrico.

CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

Algumas questões me chamam à atenção com relação ao saneamento no Brasil. 
Vou enumerá-los:
1 - A cultura do setor, voltada para obras e indiferente às questões peculiares mas não menos importantes que representam a diversidade cultural brasileira. 
2 - Soluções globais e ao locais, que, em alguns casos não apresentam soluções para todos e nem mesmo vantagens econômicas.
3 - Falta de interesse por novas tecnologias: o modelo tecnológico não corresponde às novas faces urbanas e, apesar de exemplos externos, as empresas parecem insistir num modelo engessado.
4 - As migrações, os assentamentos urbanos e as novas configurações urbanas trazem desafios que não encontram a adequada preocupação por parte das empresas.

Exemplos não faltam: núcleos urbanos isolados não são atendidos por algumas empresas por razão de inviabilidade técnica. Entretanto, essa impossibilidade técnica se explica apenas quando o modelo apresentado é o convencional. Não são consideradas formas e tecnologias alternativas, como fossas sépticas, estações de tratamento pequenas e com tecnologias sociais ou com configurações novas.

A associação do acesso aos serviços de saneamento à propriedade particular é outro fator: famílias sem posse territorial ainda estão condenadas ao esquecimento por parte das empresas. O governo local muitas vezes é o principal ator repressivo e excludente, o que contraria os objetivos trazidos pela ONU.


Figura 2 - PAQUES - empresa apresentou ETE compacta que atende a pequenas comunidades - modelo riado na Turquia e já em uso na Europa.



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