CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E O CONTEXTO CULTURAL EM PROJETOS SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO E ENERGIA



Eu nasci em São Paulo, capital, no ano de 1959, Rua Martiniano de Carvalho, no bairro da Bela Vista. Meus pais moravam em um apartamento e nossa família contava com meus pais, dois irmãos, uma tia e meus avós. Dois anos após meu nascimento, nasceu mais uma irmã, a caçula. O fato de ter vivido grande parte de minha infância em um apartamento, numa rua de trânsito de S. Paulo, sem ter opções de lugares para brincar com colegas vizinhos, talvez tenha contribuído para que eu me tornasse um menino introvertido. Na escola, fui muitas vezes vítima de bullying. Aos dezesseis anos, ainda não tinha conseguido autonomia para sequer tentar contato com uma garota, coisa que meus colegas já estavam bem resolvidos. Naquele tempo, fumar era sinal de inclusão. O cinema e a televisão invadiam as nossas vidas e influenciavam comportamentos. Os artistas de cinema e de televisão, aqueles “galãs” que faziam as garotas suspirarem, fumavam. Fumar traz um ritual, desde como você retira o maço do bolso, a maneira como leva aos lábios e como solta a fumaça, permite variações que vão do “charme” à provocação. Meu pai fumava, meu irmão mais velho também. Evidentemente, os colegas de classe, aqueles considerados pelas garotas mais bonitas, esses, claro, fumavam. Se eu quisesse ter alguma chance, livrar-me do bullying e desfrutar de melhores dias na escola, eu tinha que fumar. E foi assim que me tornei um fumante. Tempos depois, o cigarro tornou-se problema de saúde pública e, então, toda a mídia se voltou contra ele. Surgiu um novo modelo a ser seguido, que seria o do homem “saudável”, o que não cabe no mesmo contexto com o tabagismo.

Conto essa história para mostrar que o meio influencia no comportamento e, se a pessoa não estiver “de acordo com um modelo aceitável”, será vítima de exclusão.


“..., o caráter ativo do amor torna-se evidente no fato de implicar sempre certos elementos básicos, comuns a todas as formas de amor. São eles: cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento.” Erich Fromm – A Arte de Amar (P.22, Coleção Perspectivas do Mundo, 1956).


O fragmento do trabalho de Erich Fromm selecionado me inspirou na busca de cenários vividos em projetos bem sucedidos dos quais participei e participo ativamente. Pode parecer descontextualizado, mas, a questão do “amor” na avaliação daquele autor, entendo como a capacidade de se envolver profundamente em um empreendimento, não se limitando ao relacionamento interpessoal, mas, sendo um sentimento humano, por que não entendê-lo em seu contexto ampliado? Os elementos básicos citados, como o cuidado, a responsabilidade, o respeito e, sobretudo, o conhecimento do problema, da comunidade envolvida, enfim, são determinantes para o sucesso de qualquer projeto.

Quando desconhecemos um fenômeno, seja ele físico, químico ou social, tendemos a explica-lo de forma simplista, reduzindo-o e criando “pré-conceitos”. Assim, erramos quando dizemos que um povo é dessa ou de outra forma, que uma pessoa de uma determinada raça é assim ou daquela forma. Essa maneira de tipificar pré-conceitos nos permite adotar posições rápidas e sólidas, mas, torna-nos distantes do olhar aprofundado e do conhecimento sobre o fenômeno observado. Tomando como premissa o pensamento expresso por Erich Fromm, na citação anterior, só amamos, (ou, se houver melhor emprego neste contexto, “admiramos”), aquilo que dispensamos cuidado, nos responsabilizamos, respeitamos e, acima de tudo, conhecemos.
Quem trabalha em contato com comunidades de baixa renda familiar sabe que existem situações diferenciadas e que, tentar traduzir um estereótipo de família típica incorre em um erro comum a quem não detém conhecimento aprofundado.

Em um bairro tido como composto por famílias de baixa renda familiar, é possível encontrar diversos extratos sociais, diversas formas de pensamento e de composição familiar
Ás vezes, comportamentos semelhantes podem representar apenas uma forma de resposta limitada a uma necessidade comum, que não oferece alternativas, ou seja, o que nos iguala pode também representar aquilo que nos limita.
Essa limitação pode se instalar em diversas manifestações sociais, como, por exemplo, na redução do acesso à educação de qualidade, na influência de meios de comunicação de massa etc.
Mas, ao conhecermos melhor o ambiente onde atuamos, descobriremos famílias com comportamentos e composições diversas. Podemos encontrar idosos abandonados pela família, morando solitários em construções precárias e insalubres, famílias numerosas com muitas crianças, famílias pequenas, jovens casais. Em algumas casas, podemos encontrar pessoas passando dificuldades financeiras, mas, não abrindo mão de tecnologia: o uso de celulares com acesso à internet é, para muitos, uma necessidade maior do que poderíamos imaginar, superando, por exemplo, o acesso a alimentação de qualidade ou ao pagamento de faturas de água ou de luz.

"estudo mostra que há mais adesão a práticas sustentáveis quando há coesão no grupo como na família e na escola." (AKATU, site, 2015)[1]


Uma interessante pesquisa qualitativa realizada pelo Instituto AKATU, demonstra que a coesão de ações em família, entre amigos, na escola, enfim, em grupos de ligação afetiva, trazem maior engajamento, especialmente quando existem modelos inspirativos para a reprodução de valores ligados às ações propostas, o que vem a reforçar a questão da necessidade de “pertencimento” ou inclusão do ser humano, contrapartida à situação de isolamento social a qual todos parecem procurar evitar. Sobre essa questão da necessidade do “pertencimento”, condição identificada por sociólogos e estudiosos do comportamento humano, seleciono o texto a seguir, que aborda, de forma reduzida, as diversas interpretações e autores relacionados:

"indivíduos humanos não são exclusivamente conscientes e autores racionais de suas próprias vidas, pois são guiados, majoritariamente, pelo sentimento de pertencimento aos seus sistemas familiares. E entre o inconsciente individual descrito por Freud (vinculado ao uma idéia de si oriunda dos pais) e o inconsciente coletivo descrito por Jung (vinculado a arquétipos gerais da humanidade), há o que Hellinger intitula inconsciente familiar sistêmico, ao qual cada indivíduo pertence e expressa, ainda que não tenha plena ou qualquer consciência disto." (PET/ POL Universidade de Brasília, site, 2012)[2]

Ainda nesse contexto, Hanna Arent, filósofa, explica que “a condição humana transita entre espaços de igualdade (comunicação mútua, ancestralidade e gerações futuras) e espaços de diferença (onde se localizam a alteridade e a distinção)” [3]

Mauro Wilton de Sousa, em sua publicação “O pertencimento ao comum mediático: a identidade em tempos de transição”, sustenta que vivemos em uma “sociedade que convive, ao mesmo tempo, com processos de fragmentações crescentes de vida individual e coletiva e com processos políticos, econômicos e culturais da globalização”. O sentimento de “pertencimento” seria traduzido, então, “em sentidos e motivações..., sustentando a busca de participação em grupos, tribos e comunidades que possibilitem enraizamento e gerem identidade e referência social...” (SOUSA, ECA-USP, 2010, p. 34)[4]
Para alimentar um pouco mais essa discussão, tomei conhecimento de uma pesquisa realizada em 2013, em comunidades emergentes em Sete Lagoas/MG, que revelou que o principal argumento que motivaria uma mudança de comportamento com relação ao consumo de energia é a redução do valor das faturas de luz mensais.

Figura 1



Fonte: Home Carbon, apresentação realizada em Webinar em outubro de 2015.


A questão da preservação do meio ambiente só não é menor que o item que reporta a ser referência para vizinhos, amigos e parentes. O interesse recai sobre a redução do valor das contas mensais, demonstrando uma visão mais voltada às questões práticas imediatas e de interesse econômico. Não é uma situação imprevista, uma vez que vivemos numa sociedade capitalista e, portanto, tudo gira em torno do capital. O sucesso advém do acesso ao capital, o que se traduzirá na possibilidade de adquirir bens de consumo em escalas que vão do básico ao supérfluo. A redução das contas mensais representam um maior acesso ao consumo para outros itens. Numa sociedade assim, o acesso ao consumo não somente se deve à sobrevivência, mas, também representa a demonstração de poder e suas consequentes compensações sociais. Uma pessoa que demonstra poder de consumo adquire o respeito da sociedade, ganha credibilidade e aceitação e, com isso, se sente incluído e, por conseguinte, amado. Seguindo esse contexto, podemos concluir que reduções nos custos, por intermédio de mudanças comportamentais, seriam a melhor resposta para ações efetivas. Entretanto, a redução no valor mensal das faturas é, então, menos sedutora que a possibilidade de acesso por meios ilegais, isentando de contas mensais ou as substituindo por algum tipo de “taxa” estipulada por grupos urbanos de controle dessa rede.

Tanto a energia elétrica quanto a água tratada dependem de um processo produtivo e de distribuição. Grande parcela da população não tem acesso a essa informação e considera esses serviços como obrigação do Estado e direito de todo cidadão. Numa visão míope, muitos consideram a disponibilidade desses recursos como sendo acionadas pelo interruptor de luz ou da abertura de uma torneira, como se fosse “obra da natureza”. É comum ouvirmos clientes de empresas de saneamento argumentarem contra o valor das faturas pelo fato de que: “a água é de graça”,  “vou abrir um poço”, “vou armazenar água da chuva”. Não existe conhecimento das dificuldades em tratar a água tendo como base rios em condições insalubres, exigindo todo um esforço e recursos tecnológicos para a purificação até o status da potabilidade. Concepção semelhante ocorre com a geração e distribuição da energia. Existe, para muitos, a noção de que se trata de serviço simples, de responsabilidade do governo e que cabe a isso o pagamento de uma taxa mensal.

Esse raciocínio fundamenta-se em herança histórica de manuseio político desses recursos e de um processo educativo que não abrange essas questões ambientais.

Entre todas as tentativas realizadas pelas empresas pelas quais passei, e das que tive informações acerca desse assunto, a que mais me pareceu sensibilizar foi a que envolve a visita a hidrelétricas e a estações de tratamento de água. Ao vivenciar a experiência do processo produtivo desses recursos, é possível atribuir-lhes um maior valor e, portanto, perceber as questões ambientais em risco.

Outra forma de envolvimento, sem um impacto dessa magnitude, mas, com efeitos mais duradouros, é o trabalho feito em escolas públicas. Trazer o assunto para as salas de aula, com a participação de professores numa exposição transversal e interdisciplinar, traz resultados sólidos, uma vez que envolve não somente alunos e professores, mas, as famílias. O Programa PROCEL nas Escolas, desenvolvido pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - PROCEL e posto em prática pelas empresas distribuidoras de energia no pais, capacitou, do ano de 2005 ao ano de 2008, 6.457 professores em 1.035 instituições da rede pública de ensino. O trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação, denominado “A Natureza da Paisagem”, tem a duração de 16 horas e baseia-se na entrega de recursos pedagógicos e material didático para que esses professores levem aos alunos os conceitos do uso consciente da energia elétrica. Os resultados são acompanhados pelo desempenho de redução de consumo de energia das escolas e também nas residências dos alunos que passam pela capacitação. Estudos apontaram uma economia acumulada de 1.272 MWh nas escolas naquele período (2005-2008), e de 251 MWh nas residências de 4.253 residências de alunos acompanhados.[5]

Na Companhia Águas de Joinville, o trabalho é realizado igualmente nas escolas, e consiste num concurso teatral com temas voltados à utilização consciente da água e da destinação do esgoto. Também em ação em um loteamento em processo de regularização denominado Loteamento José Loureiro, a aproximação com a comunidade trouxe resultados em recuperação de clientes clandestinos, conforme quadro 1 :

Quadro 1

A evolução no tempo demonstra resultados como o aumento de clientes regulares, que aparecem na coluna de STATUS DA LIGAÇÂO como “ATIVA”, que partiu de 238 em agosto de 2015, para 285 em outubro do mesmo ano, representado 47 novos clientes, ou seja, 12,7% de inclusão de consumidores à base de clientes da empresa.

A SABESP, através do Programa de Uso Racional da Água – PURA,  alcançou em três anos, a redução de aproximadamente 60% no consumo de água na Escola Dr. Wilson Guedes, no bairro Samambaia em Praia Grande, no litoral de São Paulo.

"A unidade recebeu melhorias estruturais com equipamentos de baixo  consumo. A conscientização ambiental dos professores e das crianças foi um fator determinante para atingir o resultado desejado. A mudança de pequenos hábitos ultrapassou os muros da escola e chegou na casas dos estudantes." (JusBrasil, outubro de 2015)[6]


O consumo partiu de dos 4.351 milhões de litros em 2010 para 1.836 milhões de litros consumidos em 2013. A publicação relata redução também nas residências dos alunos, mas, não foram divulgados levantamentos quantitativos.

Os exemplos mostram resultados animadores, entretanto, parecem reportar ações isoladas, quando, pela relevância do assunto e suas implicações ambientais, entendo que precisariam ser objeto de uma política nacional e currículo obrigatório com conteúdo de melhor qualidade nas escolas.




[5] A CONTRIBUIÇÃO DO PROCEL EDUCACIONAL PARA A CONSERVAÇÃO DE ENERGIA, Disponível em http://www.feg.unesp.br/~cepee/educacao_e_energia/nacionais/A_CONTRIBUICAO_DO_PROCEL_EDUCACIONAL_PARA_A_CONSERVACAO_DE_ENERGIA.pdf , visitado em 22/10/2015.

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