O MUSEU DE CADA UM DE NÓS.



Moro atualmente distante de meus pais, o que torna minhas visitas raras. Nessas condições, tenho a visão da passagem do tempo, as mudanças que se tornam imperceptíveis aos que convivem diariamente, ganham forma ao ponto de manifestarem surpresas.

Em especial, o que me chama atenção é a profusão de fotografias, antigas e atuais, que começaram a tomar conta dos ambientes na casa de meus pais. Não existe um cômodo esquecido: sala de estar, sala de jantar, quartos. As salas comportam retratos e pôsteres atuais, com as crianças da família que não param de chegar. Os quartos expõem fotos mais antigas, pessoas que não mais se encontram neste plano, mortos que nos olham sorridentes e nos remetem aos tempos que agora habitam nossas boas e más lembranças. Numa rápida leitura interpretativa, sou tentado a pensar numa lógica nessa distribuição, levando aos quartos, ambientes reservados, os registros de um passado que deve ser preservado e às salas a mensagem que a família se renova.

Cada vez que os visito, duas vezes ao ano, percebo que as fotografias aumentaram em número e ocupam cada vez mais os interstícios ainda presentes, mas que, nesse processo contínuo, tendem a desaparecer.
A casa de meus pais se transforma em um museu, expondo entes vivos e mortos, classificados e dispostos em ambientes específicos. Andar pela casa torna-se um aprendizado. Mas quais seriam as motivações para essa museificação da casa de meus pais?  Algumas propostas emergem de minha mente. Talvez a consciência da finitude que se aproxima e a necessidade de deixar registros que invoquem uma forma de eternidade.  Talvez um último movimento na tentativa de fixar-se na história.

Mas não é somente na casa de meus pais que esse fenômeno ocorre. Nem mesmo apenas dessa forma se apresenta essa necessidade de registro histórico pessoal e familiar. Um passeio pela internet e veremos pessoas de diversas gerações, principalmente os mais jovens, colocando fotografias nas paredes de sua casa virtual, registrando frases, compartilhando pensamentos.

Será que cada um de nós busca criar seu museu pessoal?  Seria essa uma necessidade humana?
A velocidade das mudanças que ocorrem no mundo no momento presente estariam nos levando-nos a buscar uma forma alternativa de nos tornarmos eternos?  Numa sociedade capitalista, onde agimos pelo consumo e descartamos o que não mais nos atende, ( incluindo o ser humano, que tem sido objeto de descarte ),  seria a busca pelo museu pessoal uma forma desesperada de tornarmo-nos indescartáveis, insubstituíveis?
O museu então poderia ser visto como uma forma de marcarmos nossa individualidade,  através de uma luta constante para nos convencermos de que somos únicos e insubstituíveis, portanto, não queremos ser objetos de descarte e esquecimento.

Não escapo dessa análise, pois, ao postar textos neste meu blog, crio aqui o meu museu pessoal, onde as fotografias não são a principal atração, mas os pensamentos expressos que luto para que sejam eternizados. Afinal, existem museus com diferentes temáticas.

Talvez venhamos a ser conhecidos como a geração que se tornou museu, pela incapacidade de reação a um mundo alheio aos valores eternos.

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