PEDRAS NAS PORTAS

 “Não somos descorteses quando batemos com uma pedra numa porta que não tem campainha – é isso o que pensam os mendigos e carentes de todo tipo; mas ninguém lhes dá razão”. (NIETZSCHE, A Gaia Ciência)

Esse texto de Nietzsche me traz muitas reflexões. Trabalhando há muitos anos com projetos sociais, percebo contidas nessa citação muitas situações, algumas as quais presenciei.

Vejo as barreiras criadas para o acesso aos serviços mais elementares, como um atendimento médico, como exemplo, ou a um transporte barato e com um mínimo de qualidade, entre tantas outras situações

Há muitos anos, em meus primeiros contatos com comunidades pobres, me assustei com a agressividade de algumas pessoas diante de coisas simples. Alguns vinham a mim para solicitar serviços, que eu estava ali justamente para oferecer, de forma agressiva, em algumas vezes em tom de briga, de ofensa, em voz alta beirando aos gritos.

Aos poucos fui percebendo que, para muitos, a única forma de alcançar alguma solução se dava através de protestos, de gritos que não vinham de um ódio ou aspereza, mas, de desespero, desesperança.

As pedras batidas em portas sem campainhas, o grito por um prato de comida, por um emprego ou serviço que traga uma remuneração condizente com direitos constitucionais.

Pedras que fazem barulho na porta de muitos, mas esses, encontram-se no fundo de casas imensas, não ouvem e não se importam. Alguns se confortam com suas religiões e “oram” pelos que gritam, uma forma confortável de aplacar qualquer sentimento de remorso. Outros nem os percebem, desviam das crianças nas calçadas com o fazem com os buracos, como se compusessem a paisagem.

Existem ainda os que se sentem conselheiros, pensam que possuem a fórmula perfeita, que tem uma missão e se apoiam em partidos, igrejas, instituições – cada um desses apoios cobrará as mentes, eliminando o livre pensar, condicionando os atiradores de pedras em fiéis seguidores, discípulos ou correligionários. Desejam tomar o único recurso que lhes resta: suas mentes.

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