O EQUILÍBRIO UTÓPICO
Alguns orientais acreditam que o
caminho para a iluminação, estado máximo que todo ser pode alcançar,
encontra-se no centro de todas as forças. É no caminho do meio que se encontra
o equilíbrio e, portanto, onde se alcança a iluminação. Esse pensamento pode nos levar a
algumas respostas e, por essa razão, apresentam sustentação para muitas
teorias.
Ao observarmos a história humana,
por exemplo, percebemos que muitas vezes vivemos experiências extremas, quando
alguma força parece nos trazer para o lado oposto, onde tornamos a encontrar
outro extremo, para depois estabilizarmos em um ponto de equilíbrio, lugar em
que passamos a evoluir. Houve, assim, épocas onde a religião regia todo o
comportamento e a ela era dado todo o poder (em alguns lugares do mundo essa
realidade ainda se faz presente). Essas épocas foram marcadas pela insensatez,
pelo genocídio e pela estagnação da ciência e, por conseguinte, da evolução do
conhecimento humano.
Em contrapartida, a humanidade
partiu para um ponto extremo, em que a ciência passou a reinar e a religião
passou a ser vista como uma forma de controle social e de obstáculo à evolução
do conhecimento. Os resultados não foram melhores, pois, a ciência acabou por
adotar uma base binária que alimentou o pensamento humano de maneira
desastrosa. Passando a servir aos interesses econômicos e políticos, impondo
uma cultura de exclusão e de empobrecimento espiritual. Mais uma vez,
genocídios ocorrem, agora com novas motivações.
O equilíbrio vem da constatação
de que não existe paz nas situações extremas. Hoje podemos perceber um retorno
do cientificismo a um pensamento não mais binário, mas holístico. A religião
não é mais o centro do poder na maior parte do mundo, mas, não se extinguiu
como alguns chegaram a prever, sendo hoje ainda um importante vetor do
pensamento humano. Esse equilíbrio poderia se basear na calibração correta
dessas duas forças: a ciência e a religião. Em doses corretas permitiriam a
evolução do pensamento humano e suas consequentes conquistas, dentro de um padrão
moral que possa garantir a saúde mental e social nas nações.
Esse movimento de experimentação
de extremos até a evolução para o equilíbrio, que pode ser chamado de teoria do
pêndulo, entretanto, encontra alguns problemas numa avaliação filosófica
aprofundada. Nesse ponto, ciência e filosofia parecem colocar em cheque algumas
dessas questões.
Edwin Powell Hubble, astrônomo
norte americano, descobriu em 1929 que as galáxias se afastam em grande
velocidade, velocidade essa que aumenta ainda mais com a distância. Essa
descoberta suporta a teoria do Big Bang: se as galáxias se afastam, presume-se
que partiram de um ponto comum e, por alguma razão, viajam como que resultado
de uma grande explosão inicial.
Essa questão do equilíbrio
precisa, portanto, ser revista: se nos movemos no espaço em velocidade
crescente, onde se situaria tal equilíbrio? Existe um ponto de equilíbrio?
Jim Holt coloca a seguinte questão,
com relação ao equilíbrio:
Veja-se por exemplo esta simples equação:
0 = 1 – 1
O que ela poderia representar? Que 1 e -1 somam zero, é claro.
Contudo, isso é interessante. Imagine o inverso do processo: não
a convergência de 1 – 1 para chegar a 0, mas 0 por assim dizer se desmembrando
em 1 e -1. Onde tínhamos Nada, agora temos dois Algos! De certa forma, opostos,
é claro. Energia positiva e negativa. Matéria e antimatéria. Ying e Yang.
Ainda mais sugestivo seria que -1 pode ser encarado com a mesma
entidade que 1, só que voltando no tempo. É a interpretação do químico (e ateu
declarado) Peter Atkins, de Oxford. “Os opostos se distinguem pela direção da
viagem no tempo”, escreve ele. Na ausência do tempo, -1 e 1 se anulam;
aglutinam-se no zero. O tempo permite que os dois opostos se desmembrem – e é
esse desmembramento quer, por sua vez, assinala o surgimento do tempo (Pag. 47). [1]
Essa forma de colocar o
equilíbrio em fórmula matemática nos remete a novas questões. Sendo o “zero” o
equilíbrio, podemos supor que esse ponto de equilíbrio seja o aniquilamento do
ser. Temos forças opostas que podem levar ao equilíbrio, que seria, para alguns
orientais, o ponto de iluminação. Entretanto, essa iluminação seria, então, uma
situação de nulidade do ser, ou, o não ser.
Seguindo esse modelo, existimos
porque encontramo-nos como resultantes de uma equação onde o resultado é
diferente de “zero”, resultado, portanto, de um desequilíbrio matemático.
Talvez, a evolução da vida e a
razão de nossa existência resultem do movimento. De fato, se imaginássemos um
modelo em que nada se movesse, não haveria vida.
Um planeta sem rotação, sem
translação, seria um planeta onde não haveria possibilidade de vida.
Sendo o movimento o resultado de
um desequilíbrio, colocamos em cheque a teoria do equilíbrio como alcance da
iluminação. A menos que essa iluminação seja encontrada na inexistência física.
Seria essa iluminação uma resultante de um estado metafísico, onde o universo
não sofre a ação do movimento, em que o tempo não existe e que o ser torne-se
nulo, passando a compor um todo harmônico e imutável e, quem sabe, eterno.
Pensar nessa hipótese pode ser
consolador, quando nos deparamos com a insignificância de nossa existência em
relação ao espaço tempo. Jim Holt também nos coloca essa questão, como no
trecho do livro “Por que o mundo existe?: um mistério existencial” o qual
selecionei e coloco na sequência:
RETORNO AO NADA
Para seu enorme espanto, um homem se vê de repente existindo,
após milhares de anos de não existência; vive por algum tempo; e então
transcorre de novo um período igualmente longo em que ele não existe mais. O
coração rebela-se contra isso, sentindo que não pode ser verdade. – Arthur
Schopenhauer, “O vazio da existência”. (Capítulo 15, pag.284).
O movimento nos traz a existência
física, que é ínfima quando comparada ao tempo cosmológico, mas, o equilíbrio
nos abre a hipótese do não tempo, ou seja, da eternidade, onde nos
encontraremos com o ponto ideal de todos os pensamentos, a perfeição.
Deus eterno seria, assim, o
resultado de uma equação de resultado igual a “zero”, ou seja, o resultado da anulação
de forças extremas opostas.
É uma forma de interpretação que
me provoca profundas reflexões.
[1]
Holt,
Jim, 1954- Por que o mundo existe?: um mistério existencial/Jim Holt; tradução
Clovis Marques,- 1.ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013 - Editora Intrínseca
Ltda. Interlúdio. A aritmética do nada.
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