PONTO DE RUPTURA : O MUNDO POR VIR, APESAR DO ESTADO
Vivemos em um
mundo de grandes contradições, isso não é novidade, mas, creio estarmos vivendo
um momento histórico marcado pelo descompasso entre o conhecimento adquirido e
seus usos.
Seria importante,
entretanto, definirmos o que significa momento histórico atual. Isso porque
vivemos diferentes ciclos históricos de forma simultânea. Temos pelo mundo
monarquias, governos totalitários e falsos democratas, assim como falsos
comunistas. Existem povos nômades, migrantes, povos em guerra, religiões no
poder em alguns pontos do mundo. Temos camponeses e proletários.
É possível
encontrar esses diversos mundos contidos num passeio por uma grande cidade
qualquer. Onde moro, Joinville SC, existem grandes indústrias, uma zona rural,
shoppings centers. Pessoas trabalham no campo, outras no comércio, na
indústria.
Nessa sopa
cultural, a tecnologia permeia, marcando presença em todos os segmentos. Os smartphones
e seus aplicativos, interfaces e plataformas estão nas mãos de crianças a idosos,
no campo e na cidade, interligando grupos virtuais. Mas as desigualdades
sociais se mantém, assim como a concentração de renda. A tecnologia se resume à
diversão e à socialização. Não que não existam avanços tecnológicos importantes,
longe disso, mas, esses avanços se restringem a experimentos e dependem muitas
vezes de investimentos que não se disponibilizam.
Penso que o
mundo se encontra num momento de tensões, onde nada parece condizer com o
conhecimento adquirido e que poderia estar em uso. São conhecimentos capazes de
erradicar doenças, de eliminar e fome, de diminuir as desigualdades sociais. Sabemos
viver de forma sustentável, preservando os recursos e recuperando o meio
ambiente. Mas não o fazemos.
No Brasil
vivemos um falso modelo democrático. Classifico como falsa democracia, pois,
grande parte da população não tem acesso a uma educação que permita um
pensamento crítico e a reflexão pela cidadania. Sem esclarecimento, como se
pode opinar? Assim se mantém um modelo político arcaico, sustentado pelas
mesmas oligarquias que não permitem mudanças por medo de que tragam o seu declínio.
O modelo
político, religioso e estrutural, dita uma cultura que não mais se sustenta:
seus pilares não encontram mais um terreno estável, por conta da exposição às
informações e ao conhecimento contemporâneo.Os sintomas desse descompasso se
apresentam com a ruptura dessas estruturas da sociedade. Não existem mais
lideres, apenas algumas rápidas celebridades, que surgem e se vão na velocidade
das informações.
Os órgãos
públicos não atendem às demandas e não mais encontram sentido em seu modus
operandi. O governo e suas instituições se mostram hostis para com aqueles que
os financiam, ou seja, pela sociedade. São criadores de regras que são
seletivas, severas para com a população e não se aplicam às classes dominantes.
Assistimos na TV cenas comprobatórias de crimes cometidos por altos burocratas
e que não resultam em punições, enquanto a polícia executa sem trégua jovens
negros e pobres todos os dias, ou os jogam em celas que, de tão degradantes,
são piores que celas em zoológicos. Sabemos, todos nós, que o tráfico não tem
outro local de controle do que a própria sede do governo, patrocinado que é
pelo mesmo.
Esse descompasso
tem mais desdobramentos, definindo paradigmas de investimento em todos os
setores da economia. Partindo dos setores essenciais, a saúde pública mostra
uma de suas faces mais cruéis. Ainda se age no modelo de estado militar, em que
se instala uma estrutura e as pessoas se amontoam em filas, de forma
despersonalizada e que mais se assemelha ao tratamento a manadas. Assim se
comportam os serviços públicos: filas, impessoalidade, insensibilidade.
Os
investimentos são sempre pensados de maneira a atender grandes obras que serão
superfaturadas, mal dimensionadas e que irão onerar a população, deixando de
lado parte significativa da sociedade: aqueles justamente que dela mais
dependem.
Como trabalho
em uma empresa de saneamento básico, darei um exemplo concreto: o saneamento
básico passou a ser considerado como direito humano pela ONU. Isso equivale a
dizer que não oferecer água e esgoto tratado a qualquer cidadão no mundo, é
violar um direito humano. Entretanto, a água tratada não chega a todos os
lares, uma vez que a exigência para tal seja a posse do terreno – em outras
palavras: a população pobre não tem esse acesso garantido.
A questão do
esgoto tratado é ainda mais grave: além de atender a menos da metade da
população, os planos de universalização em pauta exigem grandes investimentos
com a construção de novas estações de tratamento com prazos longos para
operação, altos custos que se tornarão permanentes nas faturas das famílias
contempladas e, pior, não atenderão comunidades pobres distantes dos grandes
centros urbanos.
O pensamento
voltado para soluções globais está há muito ultrapassado: as soluções locais se
apresentam mais eficazes em setores como o saneamento, assim como ocorre com o
setor de energia. Temos tecnologia e conhecimento para soluções locais baratas
e rápidas, mas, não são aplicadas por conta do pensamento ultrapassado que
comanda as empresas – ultrapassado talvez não seja o termo adequado, mas, mal-intencionado,
por ter por trás o desejo de manutenção de um mundo que já não mais se
sustenta, mas, que sustenta oligarquias que não desejam essas mudanças, visto
que as ameaçam.
QUAL SERIA O
PONTO DE RUPTURA?
Talvez estejamos
condenados pela história a repetir indefinidamente as guerras e as revoluções,
toda a vez que a tecnologia superar o modelo político instalado. Talvez as
mudanças ocorram mais cedo ou mais tarde, mas, tentar deixar para mais tarde
seja o papel daqueles que encontram conforto no modelo atual e medo de perder
num novo ambiente ainda desconhecido e, portanto, não preparado ainda para
mantê-los no poder.
Eu não me
iludo: todo esse volume de conhecimento e tecnologia se avolumam tal qual uma
onda no mar e tentar contê-la será inevitável.
Se essa onda
se manifestará em forma de uma grande guerra ou como uma revolução, quem viver
verá.
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