SOPA FILOSÓFICA: INCLUSÃO OU IMORTALIDADE ?
Ao conhecer um pouco da história
de alguns filósofos do passado, começo a pensar que existem caminhos que o ser
humano pode seguir, mediante um cenário em que está inserido, mas, em grande
parte do tempo, por opções tomadas quando diante das situações vividas.
O cenário difere nos detalhes,
nas condições, mas, existem situações que parecem apresentar-se a todos os
homens, senão à maior parte da humanidade. As escolhas parecem oscilar por
alguns conceitos básicos: o desejo de reconhecimento e afeto, ou, o desejo pelo
conhecimento em si, pela expectativa de sentir-se útil, de contribuir por um
mundo melhor e dar, assim, um sentido à vida.
Parece-me que a grande maioria
das pessoas, buscam o reconhecimento e afeto. Essa busca se daria no plano das
manifestações, comportamentos, de maneira que, para essas pessoas, importa ser
considerado coerente com as expectativas do grupo de interesse, no qual busca
identidade e reconhecimento e afeto.
Assim, em nossa sociedade de
consumo, onde o reconhecimento se revela pelo poder de compra, a busca pela
integração através de bens de consumo é o ideal de muitos. A forma como se
apresentam diante do grupo definirá o sucesso ou insucesso nesse grupo de
interesse. Pecar nas aparências significa, além de fracasso, a exclusão, a
exposição ao ridículo, ao desafeto.
O capital apresenta modelos a
serem seguidos, que se tornam padrões de aceitação e condição de inclusão. Assim,
muito do efêmero torna-se essencial.A busca pela inclusão impõe
seguir modelos, o que afasta o indivíduo de sua individualidade. Em busca do
reconhecimento e afeto, o indivíduo torna-se igual, padrão, se anulando e se
distanciando cada vez mais de sua essência. Essa opção das maiorias torna as
pessoas frágeis, dependentes e infelizes. Se todos seguissem esse caminho, não
haveria evolução.
Não se enganem aqueles que,
jovens, recorrem a mecanismos estéticos para afrontar as gerações anteriores,
pensando, assim, estarem criando o “novo”: apesar de mudarem o comportamento
estético, reproduzem essa “rebeldia” seguindo modelos existentes dominantes nos
grupos aos quais desejam inserção.
Mas, como é o comportamento dos
que, de fato, entram para a história como agentes que promoveram mudanças?
Recorro a dois pensadores,
filósofos de um tempo passado, que trazem em alguns textos, questões para
refletirmos. Vou mencionar, primeiramente,
René Descartes. Que viveu de 1596 a 1650. Escreveu Descartes:
“Mas mesmo os melhores espíritos
não tem ocasião de desejar conhecer tais princípios: pois, se querem saber
falar de tudo e adquirir a reputação de doutos, chegarão a isso mais facilmente
contentando-se com a verossimilhança, que pode ser encontrada sem dificuldade
em todo tipo de matérias, do que buscando a verdade, que só se descobre aos
poucos, em algumas, e que obriga, quando se trata de falar das outras, a
confessar francamente a ignorância.” (p.111)
Descartes foi um homem avesso à
corte, apesar do sucesso que fez ainda em vida pelas suas publicações. Para
poder criar uma nova filosofia que eliminasse a aceitação de conceitos adotados
como verdadeiros em sua época, mas, sem qualquer comprovação possível, buscou a
solidão, as viagens e a compulsão pelo conhecimento. Não pode ser considerado um homem
interessante pelos padrões estéticos de sua época, pois, não compartilhava dos
mecanismos culturais definidos e esperados pela grande parte da população de
então.
Outro filósofo ao qual recorro é Nietzsche,
que viveu entre 1844 e 1900. Igualmente avesso à aceitação da sociedade em que
viveu, dizia Nietzsche:
Fazer da vida uma obra de arte
não consiste em introduzir arte na própria existência, ir ao teatro, visitar
museus ou consumir literatura. Muito menos se pode entender como a
imitação de um modelo: isso seria um equívoco. Tratar-se de dedicar tempo e
atenção ao desenvolvimento de si mesmo - ser amante da mudança e da
transformação, no momento em que ocorre, não se deixando levar pela impaciência
que nos faria aceitar o que alguns artistas ou pensadores oferecem já pronto -
até encontrar o pincel apropriado, a tela e as cores próprias e adequá-las, a
fim de chegar a ser um mestre em nossa própria arte de viver. (p.8)
Note como esse texto é revelador:
a busca por uma identidade própria, que não se prenda a padrões culturais.
Quem anseia uma vida filosófica,
quem deseja ser um artista de si mesmo e, portanto, um sábio, tem de
lutar para dar um estilo a si mesmo. Tem de chegar a ser o que é. (p.10)
Então, sustentando as hipóteses
que levantei no início desta postagem, da existência de dois tipos de busca, sendo
elas: o desejo de reconhecimento e afeto, e o desejo pelo conhecimento em si, pela
expectativa de sentir-se útil, de contribuir por um mundo melhor e dar, assim,
um sentido à vida, posso dizer que existem também alguns indicadores que podem
ser interpretados como mecanismos que viabilizam uma e outra opção, assim como
suas consequências.
O quadro a seguir traz uma visão
de como isso ocorre.
Dentro dessa reflexão, me parece
que, para aqueles que buscam o conhecimento e tornam-se, assim, imortais (no
sentido de tornar-se agente histórico de evolução), pontos relevantes
mostram-se claros: o desapego ao consumo e a valorização da humildade.
Sobre a humildade, entendo como
mecanismo fundamental para alcançar níveis mais elevados de conhecimento. Ao contrário
da arrogância, que estabelece a falsa ideia de que se alcançou o máximo do
conhecimento, a humildade mantém o indivíduo sempre aberto ao conhecimento, o
que torna possível rever conceitos, questionar afirmações até mesmo próprias, e
atingir, assim, novos patamares de conhecimento, capazes de contribuir para a
história e para a ciência.
Ainda sobre Nietzsche:
...seus pertences reduziam-se a
duas camisas, dois ternos, livros seus manuscritos e uma porção de remédios
para tratar dores de cabeça, insônia e vômitos. Viveu em casas de amigos, de
familiares e em pensões. Ele afirmou que, se tivesse que construir uma casa, a
faria no meio do mar. Quem sabe pensava no palácio de Tibério, em Capri, ou nas
casa de sua amada Veneza. Ou quem sabe não era propriamente uma casa o que
desejava, mas um barco. (p.13)
Evoluir não condiz com raízes. A
liberdade, ainda que leve ao estranhamento nos meios culturais onde vivemos, é
capaz de criar gênios, descobertas e evolução, enfim, tornarmo-nos imortais.
REFERÊNCIAS
DESCARTES, Discurso do Método, Coleção L&PM POCKET: Agosto de 2005, Vol. 458.
Larrauri, Maite
A Potência Segundo Nietzsche / Maite
Ciranda Cultural, 2009 Coleção Filosofia para Leigos
Edição 2011
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