Ensaio - Junto e Misturado – ou a história de “Ju” e “Mel”
Nome dos Professores:
Euler Renato
Westphal
Nadja de
Carvalho Lamas
Sueli de Souza
Cagneti
Matéria: Pensamento Contemporâneo
Nome da Faculdade: Universidade
da Região de Joinville - UNIVILLE
Nome do Curso: Mestrado em Patrimônio
Cultural e Sociedade
Turma IV
Nome do Aluno: João Abeid Filho
Data: 29 de setembro de 2011
Resumo
Através de uma menina (“Ju”) e
seu cãozinho (“Mel”), discorre-se a narrativa de um extraterrestre que teria
vindo para estudar o ser humano e seu comportamento neste momento histórico.
“Ju”, uma adolescente de 14 anos
típica, apresenta a visão do ser humano e seus meios atuais de comunicação e
entendimento do mundo, enquanto “Mel”, o cãozinho que, na verdade, é um
extraterrestre metamorfoseado, tenta compreender esse fenômeno.
Através de narrativas do
dia-a-dia desses personagens, procura-se tipificar os conceitos que norteiam a
pós-modernidade.
Palavras Chave
Pós-modernidade, internet, literatura.
Introdução
“Mel” é um extraterrestre.
Veio num cometa a caiu num
terreno vazio, num bairro brasileiro de classe média.
Não tinha uma aparência definida,
pois seu corpo é constituído de ondas apenas.
Mas sua missão é investigar o
comportamento dos seres humanos.
“Mel” já estivera antes, por
diversos momentos, na Terra.
Afinal, ele é um historiador
interplanetário e sua pesquisa de doutorado universal é sobre a evolução dos
seres humanos através dos tempos.
Em sua primeira viagem, “Mel” encontrou
hominídeos que se comunicavam por uma linguagem primitiva e faziam pinturas
rupestres.
Voltou mais tarde, dessa vez numa
época em que se construíam pirâmides.
Viu também a proliferação dos
livros, depois da descoberta da imprensa, e o seu uso pelos homens.
Da última vez que esteve na
Terra, ficou extasiado com as pinturas e estátuas feitas por grandes artistas,
alguns deles reconhecidos, outros totalmente ignorados pela história dos
homens.
Mas, depois de algum tempo
ausente, “Mel” decidiu voltar e conhecer o ser humano de hoje.
Como disse antes, veio sem uma
forma definida, mas teve que adotar um modelo visual (ele pode se transformar),
que lhe facilitasse a pesquisa.
Mas, como resolver esse problema?
Em outros tempos, podia adotar a
forma de um mercador, pois os fenômenos humanos se discorriam em locais
públicos como igrejas ou praças.
Mas soube que o homem de hoje se
comunica através de computadores e que as grandes interações ocorrem dentro de
suas casas, onde acessam o que denominam de “internet”.
Como então ser aceito para poder
entrar numa residência e observar sem ser percebido?
- Já sei – pensou – adotarei a
imagem de um cãozinho, daqueles bem, bem,... como é mesmo que eles (os humanos)
definem? – ah, já me lembrei: “fofinho”.
Foi assim que “Mel” apareceu
então na frente de uma casa de classe média brasileira, como um cãozinho da
raça Yorkshire.
Latiu, latiu e foi recebido por
uma menina, adolescente, de 14 anos, chamada Jú.
Assim começa a nossa história da “Ju”
e seu cãozinho “Mel”.
Contextualização: A Pós Modernidade
A escolha desse título (“Junto e
Misturado”) deveu-se à constatação de que o jargão parece definir de maneira
lúdica e, portanto, didática, o universo temporal da pós-modernidade.
Trata-se de um momento na
história em que o ser humano parece revolver a areia de uma praia improvável,
em busca de um tesouro inexistente, pois que não pretende encontrá-lo na forma
como tradicionalmente se conceberia.
Essa busca desnorteada pelo
desconhecido, através, entretanto, do passado, é um dos paradoxos da
pós-modernidade.
No modernismo, o homem se
desconectou do passado e tentou trazer o futuro para o momento presente. Mas o
futuro, simbolizado pelos avanços científicos, prometia trazer a paz, o
progresso, o sucesso das sociedades e o prolongamento da vida.
O passado representava os
grilhões, as amarras, o fracasso de uma era em que ora a igreja ora o estado
manipulavam a vida e a mente da população, com o objetivo do poder e da riqueza
de poucos.
Mas também o modernismo fracassou
em suas expectativas.
A ciência não trouxe a solução
para a fome, a miséria e a qualidade de vida que se esperava. Ao contrário,
trouxe às guerras o potencial de destruição do próprio planeta.
Trouxe novas doenças e uma nova
forma de escravidão, praticada nas fábricas, onde até mesmo crianças foram
submetidas a jornadas de trabalho desumanas.
Trouxe ainda outra ameaça à
destruição da vida através de substâncias químicas tóxicas, sistematicamente
despejadas nos rios e na atmosfera.
O homem então, desconectado da
igreja, desconecta-se agora também da ciência. Não que a ciência não esteja
avançando, mas pela sua incompetência na construção de um mundo desejado.
Nas comunicações, a ciência
trouxe também a velocidade e o acúmulo do conhecimento.
“É graças à
nossa confiança na comunidade científica que acreditamos piamente ser verdade
que a raiz quadrada de 2 é
1,41421356237309504880116887242096980785696718753768480717667973799073 (não sei
de cor, consultei no meu laptop).” – Umberto Eco - Não contem com o fim do
livro – Editora Record - 2010
O conhecimento derruba fronteiras
e dissemina as informações, mas torna impossível a sua compreensão em
profundidade. Exige do homem a especialização, gerando um processo contínuo de
fragmentação.
Assim, as profissões se
fragmentam: o médico não consegue trabalhar se não tiver uma especialização,
assim como o engenheiro, o advogado, etc.
As verdades também são
temporárias: com a mesma velocidade em que são estabelecidas, são superadas e
substituídas com a fluidez de um rio cujas águas correm em ritmo acelerado.
Os modelos políticos numa lógica
dual – capitalismo x comunismo, situação x oposição – apresentam-se
incompetentes em ambas as opções, trazendo comunismos autoritários e
capitalismos excludentes.
Em ambas a polaridades, a fome e
a morte ainda são presentes em grande parte do mundo.
A globalização impõe modelos
baseados na lógica capitalista, fazendo uso da tecnologia para seu próprio
proveito, levando a população à alienação, esvaziando o indivíduo.
É possível estar na internet
conectado com o mundo, mas esse mesmo universo lhe reduz a uma fração numérica.
O homem pós-moderno carece de
identidade, não sabe mais qual a sua missão no mundo – a ele só interessa o
presente, o prazer imediato e fluido.
A arte e a literatura, como
ferramentas de discussão social, traem então essa incoerência e instabilidade,
mas reflete também a busca pela identidade.
“Uma coisa que
se revela nos mitos é que, no fundo do abismo, desponta a salvação. O momento
crucial é aquele em que a verdadeira mensagem de transformação está prestes a
surgir. No momento mais sombrio surge a luz.” – Joseph Campbell – O Poder do
Mito – com Bill Moyers – Editora Palas Athena - 2008
É na busca do passado que ocorre
a jornada em busca dessa identidade, mas o passado re-visto, relido e re-significado.
Porque até mesmo o passado, da
forma como é transmitido nas escolas e nas instituições, passa a ser altamente
questionado e discutido.
A arte e a literatura então trazem
o passado e “zombam” dele, mostrando uma identidade flutuante, signo da
angústia humana.
Escancaram uma mensagem crítica
cáustica e provocativa, na tentativa de provocar mudanças e de acordar o homem
para o seu valor intrínseco e particular – acordar enfim o indivíduo.
“Ju” e “Mel”
– o dia-a-dia
“Ju” e “Mel” tornaram-se inseparáveis.
“Mel” precisa da “Ju” para se alimentar e se aproximar do
computador, um lap top que vive no colo da “Ju” ,
enquanto que esta não consegue viver sem o seu cãozinho de estimação.
“Mel” se aconchega a “Ju” no sofá
de sua casa, onde ela acessa e tecla sem parar o Orkut, MSN e alguns sites
sobre assuntos da cultura popular.
“Mel” se lembra que a literatura
surgiu para transmitir histórias para as gerações futuras, como crítica à
sociedade e também para tentar solucionar os mistérios da vida e da morte.
Mas, observando “Ju” , “Mel” encontra ícones na telinha o Laptop
que lembram a comunicação visual medieval.
Esses ícones são acessados
rapidamente, levando a outros pontos, outros assuntos, outros contatos, outras
pessoas – a essa mágica dá-se o nome de hyperlink.
As telas se desenrolam como os
antigos papiros, mais de um espaço virtual é observado pela “Ju” , que tecla sem parar, num ritmo frenético,
enquanto ri às gargalhadas com o que lê, muitas vezes frases no Twiter ou um
vídeo enviado por uma colega da escola onde estuda.
O vídeo pode ser uma cena filmada
no outro lado do mundo, alguém que cai, coisas divertidas do ponto de vista, é
claro, de quem assiste.
“Mel” nunca imaginou que uma
garota de 14 anos pudesse acessar tanta informação ao mesmo tempo.
Mas percebe também que as informações
não são sempre confiáveis.
Além disso, são apenas
informações rápidas, mostrando apenas os apelos mais chocantes – “Ju” não vai
além dos títulos e algumas linhas – rapidamente pula para outra informação,
nada pode ser aprofundado.
Uma possível razão seria o tempo:
há tanta informação que não seria possível se ater em profundidade em todos os
assuntos.
“Mel” percebe que mais importante
que se aprofundar é estar em dia com as notícias mais atuais, pois isso a
coloca “dentro” do mundo.
Além do grande volume de
informações que acessa, existe também o fator da simultaneidade: são todas
lidas rapidamente, junto com conversas on-line com mais de uma pessoa.
A questão da possibilidade que “Ju”
tem
em acessar a informação que lhe interessa traz uma situação nunca antes vista
em suas viagens passadas a Terra: uma adolescente de 14 anos pode selecionar (e
o faz com intensidade e freqüência), qual o assunto, site e pessoas com quem
deseja contatar.
Ela também se comporta e se
apresenta de uma forma padronizada nesse novo momento da Terra.
“A partir dos
anos 1903-1905, forma-se uma nova linguagem do cinema, que convém absolutamente
conhecer. Muitos romancistas acham que podem passar da escrita de um romance
para a de um roteiro. Estão enganados. Não vêem que esses dois objetos escritos
– um romance e um roteiro – utilizam na realidade duas escritas diferentes. A
técnica não é de forma alguma uma facilidade. É uma exigência. Nada mais
complicado que fazer uma peça de teatro para o rádio.” – Jean Claude Carrière -
Não contem com o fim do livro – Editora Record - 2010
A constante evolução dos meios de
comunicação exige o esforço na criação de novas linguagens.
Por exemplo: a “Ju” não escreve
como antes se escreviam as cartas, mas existe uma linguagem própria e que os
“internautas” estipularam como um código e inclusão digital. Então, uma frase
como “eaê... quer tc.. tem Orkut?” é muito coerente nesse novo mundo.
Ah o Orkut... Um álbum
obrigatório onde se colocam frases de apresentação pessoal e fotos, se possível
feitas em estúdio. A apresentação no Orkut é mais importante que a realidade –
vale tudo para se apresentar bela no Orkut.
O imaginário mundo virtual é mais
importante que o chato mundo real. No real, “Ju” precisa estudar ir à escola, ajudar
a mãe na faxina doméstica, coisas muito chatas, mas no virtual, ah, é possível
encontrar pessoas, divertir-se muito, enfim, é esse o mundo interessante.
Outra coisa interessante e
intrigante para “Mel”: o Youtube.
“Ju” entra no Youtube e assiste
cenas incoerentes, como alguém cantando uma música com letra errada e desafinando
ao ponto do ridículo. A reação: uma longa e alta gargalhada e rápido repasse do
link para suas colegas “on line” no MSN.
Não existem histórias coerentes,
o que vale é o bizarro, pois é engraçado.
Outra coisa importante: rir não basta
– é preciso gargalhar e em tom alto – não só as colegas no MSN têm que ouvir,
mas o som deve ecoar na casa toda.
Seria uma forma de comunicação
com a sua mãe, que estaria em outro cômodo da casa e alheia ao que ocorre na
telinha?
Mas tem também o rádio, que tem
que estar na FM onde passa um programa denominado “Pânico”.
Nessa emissora, que tem que ser
ouvida toda vez que a “Ju” é levada de carro pela mãe à sua escola, existem
personagens estranhos, como o Fred Mercury Prateado, o Silvio Santos do Pânico,
enfim, personagens descontextualizados, que se apropriam de outros conhecidos
historicamente, mas com outro tipo de comportamento.
Existem também os personagens de
rápidas histórias da rádio como o super-herói Homem Cueca, casado com a Mulher
Calcinha e pai do Menino Frauda e o Doutor Pimpolho, um chefe tirano e sádico.
“Ju” não ri das histórias – quem
tem que se segurar é ”Mel”, pois elas são de fato engraçadas, mas não conseguem
atrair a atenção da “Ju” – apesar disso, é preciso manter a rádio ligada e
nessa emissora - sempre.
“Mel” percebe que, fazendo uma
síntese do dia-a-dia de “Ju”, é possível dizer que ela acorda tarde, vai para o
Laptop e liga a TV – muitas vezes faz isso enquanto atende o celular.
Na TV existem os programas
certos, vídeo clips e séries adolescentes – sempre os mesmos.
Perto do meio dia ela toma banho,
almoça e vai para a escola.
No caminho, o rádio tem que estar
ligado na FM de sempre.
Na volta da escola, no final da
tarde, novamente liga a TV e põe o Laptop no colo.
Ah, ia me esquecendo: sempre com “Mel”
ao seu lado.
A enorme autonomia conferida a
uma menina tão jovem é, ao mesmo tempo, relevada pela tirania da cultura
globalizante: é possível escolher, mas desde que sejam os mesmos canais
mediáticos considerados atuais pelos seus colegas e amigos.
“Mel” imagina se a Terra fosse
vítima de uma erupção solar, por exemplo, em que todos os sinais magnéticos e
ondas fossem paralisados: o que aconteceria com a “Ju”?
O Oráculo
Ah, sim, como poderia me esquecer
!!!! Existe um super oráculo.
Esse oráculo é fonte de toda
pesquisa, responde de pronto todas as questões.
“Ju” recorre a ele sempre que
precisa de alguma informação.
O nome desse oráculo é “Google”.
Mas ele não é sempre fiel: muitas
vezes as informações vêm em um número tão grande de endereços de consulta na
telinha do Laptop que fica impossível saber em qual informação se poderia
confiar.
Mas isso é irrelevante: se está
no “Google”, está respondido.
Simples assim e rápido como se
requer na contemporaneidade.
Mas o volume de informações é
extremo, assim como as fontes nem sempre confiáveis, criando milhares de
páginas no “Google” para a pesquisa.
“JCC: Mas
agora que dispomos de tudo sobre tudo, sem filtragem, de uma soma ilimitada de
informações acessíveis em nossos monitores, o que significa a memória? Quando
tivermos ao nosso lado um criado eletrônico capaz de responder a todas as
nossas perguntas, mas também àquelas que não podemos sequer formular, o que nos
restará para conhecer? Quando a nossa prótese souber tudo, absolutamente tudo,
o que devemos aprender ainda?
UE: A arte da
síntese.
JCC: Sim, e o
próprio ato de aprender. Pois aprendemos a aprender.” Jean Claude Carrière e
Umberto Eco - Não contem com o fim do livro – Editora Record - 2010
A Velocidade
“... E cada
nova tecnologia implica a aquisição de um novo sistema de reflexos, o qual
exige novos esforços, e isso num prazo cada vez mais curto. Foi preciso quase
um século para as galinhas aprenderem a não atravessar a rua. A espécie
terminou por se adaptar Às novas condições de circulação. Mas não dispomos
desse tempo.” – Umberto Eco - Não contem com o fim do livro – Editora Record -
2010
O tempo em que uma forma de
comunicação de mantém atual é cada vez menor.
Os computadores se multiplicaram,
existindo hoje os de mesa, os Laptops, os Netbooks, os e-riders, os I-phones,
os Tablets, os smartphones, etc...
Todos com acesso às redes
sociais.
Mas até mesmo os formatos de
comunicação são mutáveis: os e-mails são cada vez menos utilizados pelos
jovens, que se valem das redes sociais, do Twiter e do MSN para se comunicarem.
Conclusão: Relatório de “Mel” aos seus alunos intergalácticos
“Mel” relata suas conclusões
sobre o momento presente na Terra.
O homem parece ter chegado a um
momento em que o conhecimento supera e muito sua capacidade de absorção.
O novo desafio é a escolha de uma
parte do conhecimento humano e se desenvolver nele.
Assim, o conhecimento se
fragmenta.
O modelo capitalista impõe uma
homogeneização no comportamento, influenciando na maneira de falar, de
comportar-se, de vestir-se e os gostos musicais e literários
Até mesmo a alimentação é
padronizada.
Mas esse cenário cria o
esvaziamento do indivíduo, que, igualado às massas, busca uma identidade
perdida em sua história esquecida.
A dessacralização e a morte da
cultura local, como o folclore, eliminam a culpa e o medo, dando ao homem uma
autonomia nunca antes experimentada.
A alteridade é igualmente
eliminada, pois que os outros são todos iguais (massificados), tornando o homem
frio, egoísta e voltado para o prazer imediato – o prazer pelo prazer.
Não se espera nada do futuro.
O passado é a última fonte de
identidade, mas precisa ser revisto e re-significado, pois que é constantemente
questionado pelos cientistas especializados.
Também as novas descobertas
exigem novos esforços na iniciação a uma nova linguagem, numa velocidade
alucinante.
O que se espera da ciência é a
eternidade juvenil e a beleza física – o corpo é a fonte do poder.
A morte do sagrado traz suas
conseqüências e ameaça o homem à deriva, mas esse desconforto o obriga a buscar
em suas raízes a real razão de sua existência.
Assim, Junto e Misturado torna-se
a melhor descrição para a Pós Modernidade terrestre. O medieval servindo de
fonte para a comunicação iconográfica, a tecnologia revirando o passado para
atenuar a amnésia que esvazia o indivíduo, o presente servindo como objetivo
último da existência humana.
Referências
Campbell, Joseph – O Poder do
Mito com Bill Moyers - Editora Palas Athena – 2008
Eco, Umberto – Carrière, Jean
Claude – Não contem com o fim do livro – Editora Record - 2010
Comments