Cartilhas de Conduta – a morte da individualidade...
O cérebro humano é condicionado a
evoluir a partir da observação e comparação com o meio onde vivemos.
Essa condição é determinante para
a construção das relações, fator de grande importância no desenvolvimento
humano. Somos animais sociais e dependemos do meio para sobrevivência.
Assim, o bebê aprende as expressões
faciais, a partir da observação da mãe e de seus próximos. No seu
desenvolvimento, a observação do comportamento de seus próximos o levará a
falar e andar.
Esse desenvolvimento continua
pela juventude e adolescência, fase em que enfrenta forte pressão do meio. Na escola,
existem regras de conduta que, caso sejam desrespeitadas, irão trazer
consequencias terríveis. Não me refiro às regras escolares, mas, as regras
impostas pelos colegas, como o bullying e o isolamento. Até mesmo a linguagem é
criada com gírias que se apresentam por um curto espaço de tempo e logo são
substituídas por novas, exigindo atenção redobrada ao meio para que se mantenha
atualizado.
Superadas essas fases – existem
casos extremos que levam até mesmo ao suicídio – na vida adulta terá que seguir
regras de comportamento para que consiga sustento financeiro mínimo. Mais uma
vez, não me refiro apenas às regras de horários e comprometimento, mas, sobretudo,
regras que interferem na linguagem, expressão corporal, vestimenta, modelo de
consumo.
Também existem outros meios de
pressão social, como as religiões: algumas podem influenciar inclusive na
vestimenta e no cuidado pessoal, podendo ser limitantes, especialmente para as
mulheres.
O consumismo, como forma de
demonstração de sucesso social, também impõe regras, com marcas de sucesso,
automóveis e lazer caros etc.
O ser humano é levado, assim, a
seguir as regras que chamo de “Cartilhas de Conduta”, procurando ser o que se
espera dele. E a rapidez com que essas regras se atualizam, exigem atenção
permanente.
Não percebe que, ao seguir o
esperado, tornar-se-á apenas mais um, um cidadão previsível – um cidadão “medíocre”
(no sentido de estar na “média”).
É a morte da individualidade, da
criatividade.
Com o mais elaborado cérebro
entre todos os seres vivos que temos conhecimento, abandona esse recurso
incrível para se moldar às tais Cartilhas de Conduta.
Veste-se de acordo com padrões,
se manifesta de forma a se sentir incluído, consome o que se espera, muitas
vezes de maneira inconsciente.
Por essa razão, perde-se a
criatividade em todos os níveis: as roupas perderam as cores, os automóveis
também, as residências passam a ter as mesmas cores e, via-de-regra, no momento
presente, tornam-se todas cinzas. A própria cidade perde sua identidade
tornando-se o “não lugar” (termo utilizado por Marc Augé, etnólogo e
antropólogo francês). Se você tirar uma
fotografia do centro de qualquer metrópole hoje, não se consegue identificá-la –
pode ser de qualquer país, pois, a paisagem é sempre a mesma.
Existe saída para essa situação?
A pressão social é tanto maior
quanto nossa necessidade natural de pertencimento e aceitação.
Procuramos ser aceitos e isso pode
nos levar a deixarmos de ser nós mesmos. Isso pode explicar nossa crise
existencial (consciente contra o inconsciente), nossa busca por propósito.
Ao observarmos a história,
perceberemos que aquelas pessoas que mudam o mundo, que se tornam modelo, são
justamente aquelas que rompem em algum momento com essas Cartilhas de Conduta.
Paradoxalmente, buscamos de forma
equivocada o sucesso pessoal através da aceitação, encontrando, em
contrapartida, a anulação de nós mesmos.
É difícil enfrentar o meio com
ideias e comportamentos próprios e, obviamente, alguns comportamentos mínimos
são necessários para que se viva em sociedade.
Entretanto, é preciso identificar
até que ponto estamos fazendo concessões demais, nos tornando pessoas
aceitáveis, mas, vazias de nós mesmos.
Creio que cada um de nós tem em
si a capacidade de se destacar, pois, somos únicos em nossa biologia e história
pessoal. Por isso, temos como contribuir para um mundo melhor com nosso toque
pessoal.
Apesar dessa atitude poder nos
trazer desconforto, é o caminho para que encontremos nosso propósito e nossas
vidas não se tornem tão “medíocres”.
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